FOME
Se tenho apetite, é só
De terra e pedras.
Diariamente almoço ar,
Rocha, carvões e ferro.
Minhas fomes, voltai. Pastai, fomes,
O prado das sêmeas.
Atrai o alegre veneno
Das papoulas.
Comei cascalho britado,
Pedras de velhas igrejas;
Blocos erráticos de antigos dilúvios,
Pães semeados nos vales cinzentos.
***
O lobo uivava sob a folhagem,
Cuspindo as belas penas
De seu almoço de pássaros:
Como ele, assim me consumo.
As hortaliças, os frutos
Aguardam só a colheita;
Mas a aranha do sótão,
Esta vive de violetas.
Que eu adormeça! que eu arda
Nas aras de Salomão.
A fervura escorre pela ferrugem
E se mistura ao Cedrão.
Enfim, ó felicidade, ó razão, eu separava do céu o azul, que é meio
negro, e vivi, centelha de ouro da luz natureza. De alegre, eu
adquiria a mais burlesca e alucinante aparência que imaginar se
possa:
Ela foi achada!
Que? a eternidade.
É o sol desfeito
Nos longes do mar.
Minha alma eterna,
Cumpre a tua promessa
Apesar da noite solitária
E do dia em chamas.
Para isso desprende-te
Dos humanos laços
Dos vãos entusiasmos!
E voa ao acaso...
-- Nada de esperança,
Nem de orietur.
Ciência e paciência,
Certo é o suplício.
Lá se foi a manhã;
Brasas de cetim,
O vosso ardor
É a obrigação.
Ela foi achada!
-- Que? - A Eternidade.
É o sol desfeito
Nos longes do mar.
***
Tornei-me um ópera fabuloso: vi que todos os seres têm a fatalidade
da felicidade: a ação não é a vida, mas uma maneira de consumir
forças, um enervamento. A moral é uma fraqueza do cérebro.
Afigurava-se-me que a cada ser outras vidas correspondiam. Esse
senhor aí não sabe o que faz: é um anjo. Essa família é um ninho de
cães. Em presença de certos homens, falei em alta voz com um
momento de uma de suas outras vidas. - Assim, amei um porco.
Nenhum dos sofismas da loucura, - a loucura que se encarcera, - foi
esquecido por mim: poderia repeti-los todos, possuo o sistema.
Minha saúde viu-se ameaçada. Sobrevinha o terror. Caía no sono
durante dias seguidos e, uma vez desperto, continuava os sonhos
ainda mais tristes e, por um caminho cheio de perigos, a minha
fraqueza conduzia-me aos confins do mundo e da Ciméria, pátria
das sombras e dos turbilhões.
Tive que viajar, distrair os encantamentos concentrados em meu
cérebro. Do mar, que eu amava como se ele me fosse lavar de uma
mancha, via emergir a cruz consoladora. Eu havia sido condenado
pelo arco-íris. A Felicidade era a minha fatalidade, o meu remorso, o
meu verme: a minha vida sempre seria demasiado imensa para
dedicá-la à força e à beleza.
A Felicidade! Seus dentes, suaves à morte, advertiam-me ao cantar
do galo, - ad matutinum, ao Christus venit, nas mais sombrias
cidades:
Ó estações, ó castelos!
Que alma há sem defeitos?
Fiz a mágica experiência
Da felicidade, da qual ninguém escapa.
Saudemo-la a cada vez
Que canta o galo gaulês.
Ah! Já não terei mais desejos:
Pois ela velará por minha vida.
Este encanto criou corpo e alma
E dispersou os esforços.
Ó estações, ó castelos!
A hora de sua fuga, ah!
Será a hora da morte.
Ó estações, ó castelos!
***
Tudo isto passou. Hoje eu sei saudar a beleza.