GLOZA.
Debalde as penas, e os gostos
Disfarçais, loucos Amantes,
Se os attentos circumstantes
Tem em vós os olhos postos;
De que servem falsos rostos,
Se o coração desmente
N'um instante infelizmente
Sabe perdido o longo estudo,
Pois vem destruir-vos tudo
Hum suspiro de repente.
Nada faz cautella, ou medo
N'alma que devéras ama;
Esta turbulenta chamma
Não sabe arder em segredo;
Sobe ao rosto, ou tarde, ou sedo,
Do escondido fogo o ardor;
Basta a declarar a dor,
Vãmente n'alma guardada,
Huma palavra truncada,
Hum certo mudar de côr.
Duro amor, que coração
Saberá nunca occultar-te?
Que vai fazer força, ou arte,
Onde as tuas settas vão?
Cegos Amantes, em vão
O vivo fogo abafais;
Esses descuidados ais,
Que sem tino ao vento dáveis,
São provas incontestaveis,
São evidentes sinais.
De que serve estar fallando
Sizudos, e comedidos,
Se esses olhos insoffridos
Vos estão sempre entregando?
Alçados de quando em quando
Vão dizendo a occulta dôr;
Abaixallos, he peior;
Que essas vistas contrafeitas
Dão ás vezes mais suspeitas,
De que o peito occulta amor.