GRATIDÃO E SAUDADE

 

(Recitada no Theatro)

      De candidos sonhos, de luz, e de flores,
      Cercada a existencia começa a sorrir;
      Alegre o presente nos falla de amores,
      De amores nos falla brilhante o porvir!

      Depois no horisonte sereno, e risonho,
      Carregam-se as sombras, perturba-se a luz,
      Esvae-se a ventura veloz como um sonho,
      Que apenas instantes na vida reluz!

      Assim penetrando no mundo das artes,
      Ao tímido lume de frouxo clarão,
      Olhava, e só via por todas as partes,
      A meiga esperança sorrindo em botão!

      De lyrios e rosas grinalda fragrante,
      Cuidei mais ainda: cuidei vêl-a ahi;
      Nos braços a aperto, convulsa, anhelante,
      Aos labios a levo, na fronte a cingi!

      Foi breve este sonho de amor, e de encanto;
      Acordo, e procuro debalde uma flor;
      Inundam-se os olhos de angustia e de pranto,
      Ao ver que só restam espinhos e dor!

      Só restam espinhos das pallidas rosas,
      A quem pobre artista não ousa pedir
      Os loiros frangrantes, as palmas viçosas,
      Que a fronte de genio só devem cingir!

      Só restam espinhos? ai, não! Se a ventura,
      Não quiz que durasse tão meiga illusão,
      Em paga deixou-me no peito a doçura.
      De terna, suave, leal _gratidão_!

      Que a voz do mais fundo, mais intimo d'alma,
      Sincera tributa nest'hora o dever!
      Embora outras palmas morressem,--a palma
      De gratas memorias não póde morrer!

      Desfeitos os sonhos, fanadas as flores,
      Quebrado o encanto da pura illusão,
      Que resta ao artista?--espinhos e dores,
      Saudades! mais nada no seu coração!

      Saudades da gloria, da luz, da ventura,
      Dos magicos sonhos, presente dos ceos,
      Saudades que attestam a funda amargura,
      Que sente ao dizer-vos agora um adeus!

1853.
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