Harmonias Oníricas

Há certas músicas que têm
o condão de me arrancar
do peito o coração onírico
e de o fazer esvoaçar pelo ar,
dependurado nas semínimas
e colcheias dessas tais melodias,
de o fazer subir como um balão de ar quente
a dançar por entre nuvens etéreas,
feitas do algodão mais fino e macio,
feitas do algodão mais doce.
E nessas nuvens, que se constituem
como as almofadas dos meus sonhos
onde recosto a cabeça,
fantasio risos em verdes prados...
E eu pasmo-me assim,
e fico a ver o tempo fluir lento,
comigo embriagado nas notas da ilusão
que me sustêm a respiração
por tempos longos e indefinidos...
Fico a olhar para as paredes brancas,
telas onde projecto saudosas imagens
das boas memórias de outros tempos,
e tusso lamentos da minha vida presente,
solto "ais!" de estar entre quatro paredes.
Vem-me a ânsia de correr descalço
por entre a relva e o pó da terra,
de me submergir todo nos ledos ribeiros
que só me afogam os joelhos.
E, de facto, na minha mente fértil
faço tudo isso acontecer,
e sou contente.
Percebo-me cheio, completo
de algo que não conheço.
Algo medra dentro de mim e quer sair,
quer rebentar as costuras da pele
e esguichar-se por entre os poros.
Mas contenho-me sempre,
porque só me sei conter.
Nos entretantos de tudo isto,
percebo nos ouvidos um ritardando.
A música cala-se.
Sinto o choque da realidade
que me atropela e faz mossa.
Carrego repeat.

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