A' Illustrissima, e Excelentissima Senhora Dona Catharina Micaella de Souza...

_A' Illustrissima, e Excelentissima Senhora Dona Catharina Micaella de
Souza, tendo o Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Luiz Pinto de
Souza expedido Avizo para se imprimirem as Obras do Author na Officina
Regia_.

CARTA.

Senhora, Apollo bem sabe
Que sois digna companhia
De quem em doirados annos
Lhe honrava a doce Poezia;

Inda de viçozo loiro
Lhe guarda a verde coroa;
Fez-lhe falta em sua Corte,
Mas a bem de outra o perdoa;

Manda, pois lhe estais ao lado,
Canteis polidos louvores
A quem em honra ao Parnazo
Fez versos, e faz favores;

Vio o prazer generozo
Com que acabou a tenção,
Que crua Parca arrancára
De outra bemfeitora Mão;[34]

[Nota de rodapé 34: O Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de
Ponte de Lima, Ministro de Estado, tinha obtido a mercê de se imprimirem
estes Versos a beneficio do A. cujo Avizo não chegou a assignar por seu
repentino falecimento.]

Vio, que apressou seus negocios
Perante quem todos rege;
E que amigo do seu Monte,
Ora o sóbe, ora o protege;

Grato ao grande beneficio
Vos envia o estilo, e a lyra;
Manda-vos cantar-lhe os hymnos,
Que lhe traja, e vos inspira;

Diz que esta empreza vos toca,
E que não admitte escuzas;
Que favor feito ao Parnazo
Hão de agradecello as Muzas;

Pulsai a lyra, enfreai
Bravos ventos rugidores;
Cantai agradecimentos
A quem cantastes amores;

Em má honra a longas cans
Desta empreza escuzo fico;
Fechou-me Apollo a sua Arte,
E quer que aprenda a de rico;

Dura, enganoza sciencia!
Incómmoda, tumultuaria!
Muito mais a quem andou
Sempre na escóla contraria;

Já em socegado somno
Não vejo doces ficções;
Inda a obra está na Imprensa
E já sonho com ladrões;

Sonho, que escalada a porta,
Medonhas caras sem dó,
Vem furtar a Tolentino
O que elle furta a _Boileau_;

Co'esse metal turbulento
Já d'antemão me malquisto;
Que me não fará a posse,
Se a esperança já faz isto?

Sei quem poz a ultima força
Ao punhal, de que me dôo;
Mas, em fim, nada de raivas,
Dizei-lhe que eu lhe perdôo;

E que he tal nesta virtude
Meu conforme coração,
Que não só perdoo o mal,
Mas beijo por elle a Mão.

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