_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Marqueza de Alegrete, quando lhe nasceo huma Filha_.
Senhora, he couza sabida,
Que aos Deozes não são vedados
Os escondidos segredos
Do escuro livro dos Fados;
E pois que em tempos antigos
Já tive alguma valia
Co'aquelle, a quem coube em forte
O governo da Poezia;
Não esperando do Tempo
O vagarozo progresso,
E desejando augurar-vos
O vosso feliz successo;
Na raiz do alto Parnazo,
Curvando o humilde joelho,
Exclamei = Se aqui se escutão
Votos de hum Poeta velho,
Não te peço, esquivo Apollo,
Teus verdes, sagrados loiros;
Não aspirão a coroas
Desta testa os velhos coiros;
Abre, sim, a densa nevoa
Do vindoiro tempo escuro;
E ante meus ávidos olhos
Rasga as sombras do futuro;
Saiba meu justo dezejo
Quanto o destino promette
Aos nossos ardentes votos,
E aos da assustada Alegrete;
O Deos, que nunca em mim vio
De Odes moiras a manía,
Que sem o assumpto honrarem,
Lhe deshonrão a Poezia;
Que em Oiteiros de Oratorio
Não lhe puz a Lyra ao frio,
Arriscando-a a ter por paga
Ou pedrada, ou assobio;
E muito mais porque vio,
Que da minha petição
Erão sagrados motivos
A amizade, e a gratidão;
Fez fuzilar em meus olhos
Nova luz, vedada, e pura;
E de tudo o que então vi,
Vos vou fazer a pintura.
Vi, Senhora, as loiras Graças
Com doce, e rizonho aspeito,
Tecendo engenhozas danças
Em torno de hum aureo leito;
E abrindo as ricas Cortinas
Trazerem nos castos braços
O digno, e precioso Fruto
De Illustres, sagrados laços.
Sobre o mimoso semblante,
Em que os seus dons inspiravão,
Dos mais altos Pertendentes,
Mil suspiros auguravão;
Os Prazeres sobre as azas
O berço lhe rodeavão;
Fortuna lhe abria os cofres,
As Virtudes a embalavão;
Vi Penalvas, vi Angejas,
Que aos Ceos mil hymnos mandavão;
Aos Ceos, que as duas Familias
Novamente abençoavão:
Vi a roda das Creadas,
Que á Menina dando vai,
Humas, os olhos da Mãi,
Outras, a boca do Pai;
Mas Apollo aqui fechando
As altas couzas futuras,
E deixando o pobre velho
Alegre, mas ás escuras;
Me disse = Conta o que viste;
O mais, em tempo vindoiro,
Fiel, apurada historia,
O dirá em letras de oiro;
Corri: mas trémulas pernas
Tem sempre estrada comprida;
E pois acho a profecia,
Gradas aos Ceos, já cumprida,
Beijo respeitozamente
Estas faixas, que envolvêrão
Aquella, a quem dão a vida
Os que a minha protejêrão;
= Recebe, oh Recem-nascida,
Terno amor, alto respeito;
Teus Avós, teus claros Pais
Te derão este direito;
E tu, Formoza Alegrete,
Que depois de erguida a meza,
Ficavas co'as velhas Aias
De mágicos filtros prêza;
Quando eu a teus pés contava,
Mentirozo historiador,
Ora a do Caixão de vidro,
Ora a das Cidras do amor;
Quando os mesmos tenros annos
A tua Filha contar,
Todos os dias virei
Meu officio exercitar,
E em tanto, a pezar do tempo,
Que a fronte me vai gelando,
Com a rouca Lyra ás costas
Pelo Parnazo trepando:
Vou sentar-me entre os Loireiros,
Que réga Castalia fria;
Onde revôam em bandos
Os genios da Poezia;
E co'a testa descuberta
A' viração bemfeitora,
Traçarei mais dignos versos
Do que estes, que ouvis agora;
Com tempo os irei fazendo;
O Deos também me fez ver,
Que sobre este mesmo assumpto
Tenho muito que escrever.