Inocência

Quando você foi embora, o mundo ficou monocromático. Inocência, não vê que a fresta da janela irradia tormento em minhas retinas? As velas se apagam, pois, o furacão letárgico destrói toda minha ínfima esperança. Hei de duvidar do senhor quando se sacrificou por nós, para que no fim existam penosos sujeitos como eu. Desovei minha alma, assim como todos os cadáveres que brutalmente joguei aqui no lago abandonado. Por que minhas lágrimas de sangue sempre decaem sobre esses rios e, sua rica cor azul permanece? Não devo ter razão pelos funestos atos cometidos até chegar aqui; onde deitas aqui do meu lado é onde a colheita dos puros esquartejados eu depenei. Pedaço por pedaço de tijolos, brinco com a carne humana; fiz esse muro de desgraça para eu me tornar absoluto, o lado dos humanos comuns que desprezo e o lado do negrume, onde só há lamúria… e alguns órgãos concretados nas paredes. O cheiro pulsante e escabroso dos vermes me atrapalha, estou acostumado, mas ainda é difícil. Meu ofício de taxidérmico me traz paz um pouco de sossego, ao menos lá no trabalho o empalhamento é somente com os animais, indefesos, sim, mas ainda sim, animais. Alivia a angústia moral que batalho semanalmente.

Os dias se passam, mas nunca estou sozinho, simplesmente compenso nisso. Todos os afogados no meu lago ainda estão do meu lado sorrindo e cantando. A carne mesmo morta, permanece aqui. A filosofia da minha vida é isso, amortalidade; somos eternos porque a vida e morte andam em unicamente em algo só. Não faz diferença entre (ine)existência entre espíritos. Só pode haver vida com a morte, assim como só há relógio por um relojeiro. O sopro da morte é o amor-próprio: presenteia a vida com ela e a vida já espera isso e sorri afavelmente para a morte. Isso nunca foi um problema, a história do homem é isso; tolos os que separam entre faustianos e apolíneos, bons e maus. Sempre foi o mesmo espelho refletindo a mesma imundice humana, demasiada humana.

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