A JULIA (Da Paquita)

 

      Naquella deserta ermida,
      Que alveja na serrania,
      Deu signal, Julia querida,
      O sino da _Ave-Maria_.

      Este som tão conhecido
      Da nossa innocente infancia,
      Como agora vem sentido
      Trazer-me viva á lembrança,
      Toda essa doce fragrancia
      D'aquelle existir d'então!

      Ai! lembrança não, saudade!
      Saudade Julia, tão funda...
      Mas tão grata, que me innunda
      De ventura o coração.

      Espera... se neste instante
      Mandasse á terra o Senhor,
      Anjo de meigo semblante,
      E aos dias d'aquella edade
      Nos tornasse o seu amor...
      Oh! responde-me, querida,
      Se quanto depois na vida
      De bello nos ha passado,
      Não devera ser trocado
      Por esses dias em flor?!

      Que lá vão! lembras-te ainda?
      Tu risonha doidejavas,
      Por entre as moitas de flores
      Como ellas fragrante e linda.
      Quando o som pausado e lento
      D'_Ave-Maria_ escutavas,
      Então naquelle momento
      Aos pés da Cruz te prostravas!...

      Que fronte de anjo era a tua
      Vista ao reflexo amoroso
      Dos frouxos raios da lua!
      Uma tarde, ao pôr do sol,
      No recosto pedregoso
      Do monte nos encontrámos;
      Lembras-te! essa hora bateu,
      Porem nós mal a escutámos!
      Os olhos, tu perturbada,
      Baixavas, e no semblante
      Não sei que luz te brilhava,
      Eu sei que naquelle instante
      O prazer me enlouqueceu.

      Oh! fatal loucura aquella!
      Tinha-me ali tão perdido,
      Que, sem mais ver, delirante
      Nos braços te arrebatei.

      Não sei por onde vagava,
      Nem quanto, nem como andei;
      Só me lembra que a ventura
      Ali real me fallava,
      E que aos incertos lampejos
      Das estrellas desmaiadas,
      Impremi ardentes beijos

      Nas tuas faces rosadas!
      Foi breve aquelle delirio;
      Ao menos breve o julguei;
      E quando, outra vez á vida
      De sobressalto voltei,
      Desbotada como um lyrio
      Pelos vendavaes batido,
      Nos meus braços te encontrei!

Setembro de 1851
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