A JULIA (Da Paquita)
Autor: Bulhão Pato on Thursday, 3 January 2013
Naquella deserta ermida,
Que alveja na serrania,
Deu signal, Julia querida,
O sino da _Ave-Maria_.
Este som tão conhecido
Da nossa innocente infancia,
Como agora vem sentido
Trazer-me viva á lembrança,
Toda essa doce fragrancia
D'aquelle existir d'então!
Ai! lembrança não, saudade!
Saudade Julia, tão funda...
Mas tão grata, que me innunda
De ventura o coração.
Espera... se neste instante
Mandasse á terra o Senhor,
Anjo de meigo semblante,
E aos dias d'aquella edade
Nos tornasse o seu amor...
Oh! responde-me, querida,
Se quanto depois na vida
De bello nos ha passado,
Não devera ser trocado
Por esses dias em flor?!
Que lá vão! lembras-te ainda?
Tu risonha doidejavas,
Por entre as moitas de flores
Como ellas fragrante e linda.
Quando o som pausado e lento
D'_Ave-Maria_ escutavas,
Então naquelle momento
Aos pés da Cruz te prostravas!...
Que fronte de anjo era a tua
Vista ao reflexo amoroso
Dos frouxos raios da lua!
Uma tarde, ao pôr do sol,
No recosto pedregoso
Do monte nos encontrámos;
Lembras-te! essa hora bateu,
Porem nós mal a escutámos!
Os olhos, tu perturbada,
Baixavas, e no semblante
Não sei que luz te brilhava,
Eu sei que naquelle instante
O prazer me enlouqueceu.
Oh! fatal loucura aquella!
Tinha-me ali tão perdido,
Que, sem mais ver, delirante
Nos braços te arrebatei.
Não sei por onde vagava,
Nem quanto, nem como andei;
Só me lembra que a ventura
Ali real me fallava,
E que aos incertos lampejos
Das estrellas desmaiadas,
Impremi ardentes beijos
Nas tuas faces rosadas!
Foi breve aquelle delirio;
Ao menos breve o julguei;
E quando, outra vez á vida
De sobressalto voltei,
Desbotada como um lyrio
Pelos vendavaes batido,
Nos meus braços te encontrei!
Setembro de 1851Género: