Lambendo
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Bia, põe aí a mesa que os da televisão devem estar a chegar. Não quero que digam que não sabemos receber as pessoas. Esta gente repara em tudo. Vai prender o cão e pentea-te, parece que viste um bicho.
O tio Antonio, conhecido pelo Primo Tonico dos Cortiços, havia dedicado o que lhe sobrara da vida a apurar o jeito em fazer pequenos objetos de cortiça. Chamavam-lhe artesanato, a ele só lhe interessavam os trocados que ia amealhando com os turistas que visitavam a aldeia e compravam por meia duzia de tostões alguns bonecos feitos por a hora da calma.
A dona Bia parecia uma lebre rosada, fugindo e arrumando os tarinbecos enquanto lambia o cabelo rebelde que não assentava. Arrepios manhosos criados ao Deus dará.
Antes de baterem à porta já o cão se esganifava, raivoso, na esperança de trincar carne fresca. Da cidade a nalga deve ser mais tenra.
Dois senhores, de boas maneiras entraram para preparar a entrevista, o principal, aquele da televisão e o resto da equipa estavam a entrevistar a Maria Roliça, perita em fazer pão de lenha de azinho, com farinha comprada nos moinhos de vento e estavam quase a chegar.
Puseram umas luzes e uns panos brancos para dar enquadramento ás cameras e puseram os olhos na mesa já posta com o pão caseiro, um naco de presunto roubado ao resto do mês, metade do paio do porco preto, ainda meio fresco da matança e um jarro de vinho novo da Amareleja.
Foram falando, foram arranjando o melhor sitio para o Primo Tonico falar, perto da janela e sem chapéu que fazia sombra nos olhos e foram comendo, foram comendo e bebendo tudo.
Bem, tudo pronto, o senhor que aparece na televisão chegou, muito simpatico, mas muito curioso quis saber demais. Filmou o artesanto, filmou o Primo Tonico e fez uma carrada de perguntas e deu as respostas concluindo a entrevista.
O Primo Tonico, homem de respeito fez questão de acompanhar as visitas à porta, enquanto a dona Bia lambia o arrepio teimoso encostada ao peal da cozinha olhando para os pratos vazios, os dois lambões tinham lambido tambem, mas tinham lambido tudo, só faltou mamarem a camilha.
O entrevistador, já para lá do portão do quintal comentou com aquele que realizava: - Não sei porque dizem que os alentejanos são hospitaleiros, estes nem uma pinga de vinho nos ofereceram.
O Primo Tonico comentava com a Bia dele: Estes se se descuidarem comem-se uns aos outros, o que fariam se andassem à azeitona com meia duzia de carapaus fritos para o dia todo!