LEMBRAS-TE?

 

      Lembras-te? frouxa expirava
      Aquella doce harmonia
      Que em nossas almas entrava.
      De uma luz tão resplendente
      Teu limpido olhar brilhava,
      Como a da aurora nascente,
      E aurora gentil sorria,
      No meigo azul de teus olhos
      Para raiar entre rosas
      Fragrantes e sem abrolhos.

      Quando mais tenue partiu
      A cadencia saudosa,
      Tua boca proferiu
      Não sei que cortadas fallas,
      Que o ouvido não sentiu,
      Porque vieste graval-as
      Com a voz do ceo no peito,
      Que a ti rendido e sujeito
      Anhelando t'as ouviu.

      Ao proferil-as, dormente
      O teu olhar descaíra,
      E em teu pallido semblante
      A expressão se reflectíra
      Dos affectos que agitavam
      A tua alma nesse instante.
      Ai! nesse instante do ceo,
      Que á terra breve fugíra,
      Que a elle inteiro volveu!

      No horisonte estremeciam,
      Ebrias de amor as estrellas,
      E teus olhos se fitavam
      Na luz scintillante d'ellas;
      É que no ceo procuravam
      O eterno d'aquelle instante
      Que na terra presentiam
      Que passaria inconstante.

      O alvor da nascente aurora,
      Que no horisonte assomava,
      Das estrellas desmaiava
      A viva luz, e inda agora,
      Tenho em minh'alma, querida,
      A expressão com que me olhaste
      Apontando para ella!
      É que essa aurora tão bella
      Não brilhava mais na vida!

Janeiro de 1849.
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