LEMBRAS-TE?
Autor: Bulhão Pato on Sunday, 20 January 2013
Lembras-te? frouxa expirava
Aquella doce harmonia
Que em nossas almas entrava.
De uma luz tão resplendente
Teu limpido olhar brilhava,
Como a da aurora nascente,
E aurora gentil sorria,
No meigo azul de teus olhos
Para raiar entre rosas
Fragrantes e sem abrolhos.
Quando mais tenue partiu
A cadencia saudosa,
Tua boca proferiu
Não sei que cortadas fallas,
Que o ouvido não sentiu,
Porque vieste graval-as
Com a voz do ceo no peito,
Que a ti rendido e sujeito
Anhelando t'as ouviu.
Ao proferil-as, dormente
O teu olhar descaíra,
E em teu pallido semblante
A expressão se reflectíra
Dos affectos que agitavam
A tua alma nesse instante.
Ai! nesse instante do ceo,
Que á terra breve fugíra,
Que a elle inteiro volveu!
No horisonte estremeciam,
Ebrias de amor as estrellas,
E teus olhos se fitavam
Na luz scintillante d'ellas;
É que no ceo procuravam
O eterno d'aquelle instante
Que na terra presentiam
Que passaria inconstante.
O alvor da nascente aurora,
Que no horisonte assomava,
Das estrellas desmaiava
A viva luz, e inda agora,
Tenho em minh'alma, querida,
A expressão com que me olhaste
Apontando para ella!
É que essa aurora tão bella
Não brilhava mais na vida!
Janeiro de 1849.Género: