LYRA II.

Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.

  Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;
Por isso o conheço bem.

  Os seus compridos cabellos;
Que sobre as costas ondeão,
São que os de Apollo mais bellos;
Mas de loura côr não são.
Tem a côr da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem, Marilia, hum composto
Da mais formosa união.

  Tem redonda, e lisa testa;
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista honesta,
E seus olhos são huns sóes,
Aqui vence Amor ao Ceo,
Que no dia luminoso
O Ceo tem hum Sol formoso,
E o travesso Amor tem dous.

  Na sua face mimosa,
Marilia, estão misturadas
Purpureas folhas de rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubins mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.

  Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo hum suspiro, e elle
Conheceo haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo que o via, baixava
A modesta vista ao chão.

  Chamei-lhe hum dia formoso;
Elle ouvindo os seus louvores
Com hum modo desdenhoso,
Se surrio, e não fallou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deo tambem resposta,
Constrangeo-se, e suspirou.

  Conheço os signaes, e logo
Animado da esperança,
Busco dar hum desaffogo
Ao cansado coração.
Pégo em seus dedos nevados,
E querendo dar-lhe hum beijo,
Cubrio-se todo de pejo,
E fugio-me com a mão.

  Tu, Marilia, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Comtigo estarás dizendo,
Que he este o retrato teu.
Sim, Marilia, a copia he tua,
Que Cupido he Deos supposto:
Se ha Cupido he só teu rosto,
Que elle foi quem me venceo.

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