LYRA IV.
Marilia, teus olhos
São réos, e culpados,
Que soffra, e que beije
Os ferros pezados
De injusto Senhor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Mal vi o teu rosto,
O sangue gelou-se,
A lingoa prendeo-se,
Tremi, e mudou-se
Das faces a côr.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
A vista furtiva,
O risco imperfeito,
Fizerão a chaga,
Que abriste no peito
Mais funda, e maior.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Dispuz-me a servir-te;
Levava o teu gado
Á fonte mais clara,
Á vargem, e prado
De relva melhor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Se vinha da herdade,
Trazia nos ninhos
As aves nascidas,
Abrindo os biquinhos
De fome ou temor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Se alguem te louvava
De gosto me enchia;
Mas sempre o ciume
No rosto accendia
Hum vivo calor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Se estavas alegre,
Dirceo se alegrava;
Se estavas sentida,
Dirceo suspirava
Á força da dor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Fallando com Laura,
Marilia dizia;
Surria-se aquella,
E eu conhecia
O erro de amor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Movida, Marilia,
De tanta ternura,
Nos braços me déste,
Da tua fé pura
Hum doce penhor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Tu mesma disseste
Que tudo podia
Mudar de figura;
Mas nunca seria
Teu peito traidor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Tu já te mudaste;
E a Olaia frondoza,
Aonde escreveste
A jura horrorosa,
Tem todo o vigor.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.
Mas eu te desculpo,
Que o fado tyranno
Te obriga a deixar-me;
Pois busca o meu damno
Da sorte, que for.
Marilia, escuta
Hum triste Pastor.