LYRA IX.

Eu sou, gentil Marilia, eu sou captivo,
Porém não me venceo a mão armada
    De ferro, e de furor:
Huma alma sobre todas elevada
Não cede a outra força que não seja
    Á tenra mão de Amor.

  Arrastem pois os outros muito embora
Cadêas nas bigornas trabalhadas
    Com pezados martellos:
Eu tenho as minhas mãos ao carro atadas
Com duros ferros não, com fios d'ouro,
    Que são os teus cabellos.

  Occulto nos teus meigos vivos olhos
Cupido a tudo faz tyranna guerra:
    Sacode a setta ardente;
E sendo despedida cá da terra,
As nuvens rompe, chega ao alto Impirio,
    E chega ainda quente.

  As abelhas nas azas suspendidas
Tirão, Marilia, os succos saborosos
    Das orvalhadas flores:
Pendentes dos teus beiços graciosos
Ambrosias chupão, chupão mil feitiços
    Nunca fartos Amores.

  O vento quando parte em largas fitas
As folhas, que menêa com brandura;
    A fonte crystallina,
Que sobre as pedras cáe de immensa altura;
Não fórma hum som tão doce, como fórma
    A tua voz divina.

  Em torno dos teus peitos, que palpitão;
Exalão mil suspiros desvelados
    Enchames de desejos;
Se encontrão os teus olhos descuidados,
Por mais que se atropelem, voão, chegão,
    E dão furtivos beijos.

  O Cisne, quando corta o manso lago,
Erguendo as brancas azas, e o pescoço;
    A Náo que ao longe passa,
Quando o vento lhe infuna o panno grosso;
O teu garbo não tem, minha Marilia,
    Não tem a tua graça.

  Estimem pois os mais a liberdade:
Eu prézo o captiveiro: sim, nem chamo
    Á mão de Amor impia:
Honro a virtude, e os teus dotes amo:
Tambem o grande Achilles veste a saia
    Tambem Alcides fia.

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