LYRA XII.

Topei hum dia
Ao Deos vendado,
Que descuidado
Não tinha as settas
Na impia mão.
    Mal o conheço,
Me sóbe logo
Ao rosto o fogo,
Que a raiva accende
No coração.

  _Morre, Tyranno,
Morre, inimigo_!
Mal isto digo,
Raivoso o apérto
Nos braços meus.
    Tanto que o moço
Sente apertar-se,
Para salvar-se
Tambem me aperta
Nos braços seus.

  O leve corpo
Ao ar levanto,
Ah! e com quanto
Impulso o trago
Do ar ao chão!
    Poude suster-se
A vez primeira;
Mas á terceira
Nos pés, que alarga,
Se firma em vão.

  Mal o derrubo,
Ferro aguçado
No já cançado
Peito, que arqueja,
Mil golpes deo.
    Suou seu corpo;
Tremêo gemendo;
E á côr perdendo,
Batêo as azas;
Em fim morreo.

  Qual bravo Alcides,
Que a hirsuta pelle
Vestio daquelle
Grenhoso bruto,
A quem matou.
    Para que próve
A empreza honrada,
C'o a mão manchada
Recolho as settas,
Que me deixou.

  Ouvio Marilia
Que Amor gritava,
E como estava
Vizinha ao sitio
Valer-lhe vem.
    Mas quando chega
Espavorida,
Nem já de vida
O féro monstro
Indicio tem.

  Então Marilia,
Que o vê de perto
De pó cuberto,
E todo involto
No sangue seu;
    As mãos aperta
No peito brando,
E afflicta dando
Hum ai, os olhos
Levanta ao Ceo.

  Chega-se a elle
Compadecida;
Lava a ferida
C'o pranto amargo,
Que deramou.
    Então o monstro
Dando hum suspiro,
Fazendo hum gyro
C'o a baça vista,
Resuscitou.

  Respira a Deosa;
E vem o gosto
Fazer no rosto
O mesmo effeito,
Que fez a dôr.
    Que louca idéa
Foi a que tive!
Em quanto vive
Marilia bella,
Não morre Amor.

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