LYRA XIII.

Oh! quantos riscos,
Marilia bella,
Não atropella
Quem cégo arrasta
Grilhões de Amor!
    Hum peito forte,
De acordo falto,
Zomba do assalto
Do vil traidor.

  O amante de Hero
Da luz guiado,
C'o peito ousado
Na escura noite
Rompia o mar,
    Se o Helesponto
Se encapellava,
Ah! não deixava
De lhe ir fallar.

  Do cantor Thracio
A heroicidade
Esta verdade,
Minha Marilia,
Prova tambem.
    Cheio de esfôrço
Vai ao Cocyto
Buscar afflito
Seu doce bem.

  Que acção tão grande
Nunca intentada!
Ao pé da entrada
Já tudo assusta
O coração!
    Pendentes rochas,
Campos adustos,
Que nem arbustos
Nem hervas dão.

  Na funda fralda
De calvo monte,
Corre Acheronte,
Rio de ardente
Mortal licor.
    Tem o barqueiro
Testa enrugada,
Vista inflammada,
Que mete horror.

  Que seguranças!
Que fechaduras!
As portas duras
Não são de lenhos;
De ferro são.
    Por tres gargantas,
Quando alguem bate,
Raivoso late
O negro cão.

  Dentro da cova
Soão lamentos;
E que tormentos
Não mostra aos olhos
A escassa luz!
    Minos a pena
Manda se intime
Igual ao crime,
Que alli conduz.

  Grande penedo
Este carrega;
E apenas chega
Do monte ao cume,
O faz rolar.
    A pedra sempre
Ao valle desce,
Sem que elle cesse
De a ir buscar.

  Nas limpas aguas
Habita aquelle:
Por cima delle
Verdejão ramos,
Que pomos dão.
    Debalde a bocca
Molhar pertende;
De balde estende
Faminta mão.

  Tem outro o peito
Despedaçado:
Monstro esfaimado
Já mais descança
De lho roêr.
    A rôxa carne,
Que o abutre come,
Não se consome,
Torna a crescer.

  Mas bem que tudo
Pavor inspira,
Tocando a lyra
Desce ao Averno
O bom Cantor.
    Não se entorpece
A lingua, e braço;
Não treme o passo,
Não perde a côr.

  Ah! tambem quanto
Dirceo obrára,
Se precisára,
Marilia bella,
Do esforço seu!
    Rompêra os mares
C'o peito terno,
Fôra ao Inferno,
Subíra ao Ceo.

  Aos dois amantes
De Thracia, e Abydo
Não deo Cupido
Do que aos mais todos
Maior valor.
    Por seus vassallos
Forças reparte,
Como lhes parte
Os gráos de Amor.

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