LYRA XIV.

Minha bella Marilia, tudo passa;
A sorte deste mundo he mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
    Estão os mesmos Deoses
Sujeitos ao poder do impio Fado:
Apollo já fugio do Ceo brilhante,
    Já foi Pastor de gado.

  A devorante mão da negra Morte
Acaba de roubar o bem, que temos;
Até na triste campa não podemos
Zombar do braço da inconstante sorte.
    Qual fica no sepulchro,
Que seus a vós erguêrão, descançando:
Qual no campo, e lhe arranca os frios casos
    Ferro do torto arado.

  Ah! em quanto os Destinos impiedosos
Não voltão contra nós a face irada,
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
    Hum coração que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marilia, a si proprio rouba,
    E a si proprio fere.

  Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno hum brando leito,
Prendamo-nos, Marilia, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
    Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possão deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
    Tambem, Marilia, morre.

  Com os annos, Marilia, o gôsto falta,
E se entorpece o corpo já cançado;
Triste o velho cordeiro está deitado,
E o leve filho sempre alegre salta.
    A mesma formosura
He dote, que só goza a mocidade:
Rugão-se as faces, o cabello alveja,
    Mal chega a longa idade.

  Que havemos d'esperar, Marilia bella?
Que vão passando os florecentes dias?
As glorias, que vem tarde, já vem frias;
E póde em fim mudar-se a nossa estrella.
    Ah! não, minha Marilia,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças,
    E ao semblante a graça.

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