LYRA XVIII.
Não ves aquelle velho respeitavel,
Que á moleta encostado,
Apenas mal se move, e mal se arrasta?
Oh quanto estrago não lhe fez o tempo?
O tempo arrebatado,
Que o mesmo bronze gasta.
Enrugárão-se as faces, e perdêrão
Seus olhos a viveza;
Voltou-se o seu cabello em branca neve:
Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo;
Nem tem huma belleza
Das bellezas que teve.
Assim tambem serei, minha Marilia
Daqui a poucos annos;
Que o impio tempo para todos corre.
Os dentes cahiráõ, e os meus cabellos.
Ah! sentirei os damnos,
Que evita só quem morre.
Mas sempre passarei huma velhice
Muito menos penoza.
Não trarei a moleta carregada:
Descançarei o já vergado corpo
Na tua mão piedoza,
Na tua mão nevada.
As frias tardes em que negra nuvem
Os chuveiros não lance,
Irei comtigo ao prado florescente:
Aqui me buscarás hum sitio ameno,
Onde os membros descance,
E ao brando Sol me aquente.
Apenas me sentar, então movendo
Os olhos por aquella
Vistoza parte, que ficar fronteira;
Apontando direi: _Alli fallámos,
Alli, ó minha bella,
Te vi a vez primeira_.
Verteráõ os meus olhos duas fontes,
Nascidas de alegria:
Farão teus olhos ternos outro tanto:
Então darei, Marilia, frios beijos,
Na mão formosa, e pia,
Que me limpar o pranto.
Assim irá, Marilia, docemente
Meu corpo supportando
Do tempo deshumano a dura guerra.
Contente morrerei, por ser Marilia
Quem sentida chorando,
Meus baços olhos cerra.