LYRA XXI.

Não sei, Marilia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto;
Pois quanto não he Marilia,
Já não posso ver com gosto.
    Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava
Com o mais rude vaqueiro:
Hoje, ó bella, me aborrece
Inda o trato lizongeiro
Do mais discreto pastor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de amor?

  Sáio da minha cabana
Sem reparar no que faço;
Busco o sitio aonde moras,
Suspendo defronte o passo.
    Fito os olhos na janella,
Aonde, Marilia bella,
Tu chegas ao fim do dia;
Se alguem passa, e te saúda,
Bem que seja cortezia,
Se accende na face a côr.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de Amor?

  Se estou, Marilia, comtigo,
Não tenho hum leve cuidado;
Nem me lembra, se são horas
De levar á fonte o gado.

  Se vivo de ti distante,
Ao minuto, ao breve instante,
Finge hum dia o meu desgosto:
Já mais, Pastora, te vejo
Que em teu semblante composto
Não veja graça maior.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de Amor?

  Aonde já com o juizo;
Marilia, tão perturbado,
Que no mesmo aberto sulco
Metto de novo o arado.
  Aqui no centêo pégo,
Noutra parte em vão o cégo:
Se alguem comigo conversa,
Ou não respondo, ou respondo
Noutra coiza tão diversa,
Que nexo tão tem menor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de Amor?

  Se geme o bufo agoureiro
Só Marilia me desvella:
Enche-se o peito de magoa,
E não sei a causa della.
    Mal durmo, Marilia, sonho,
Que féro leão medonho
Te devora nos meus braços:
Gella-se o sangue nas veias.
E sólto do somno os laços
Á força da immensa dor.
Ah! que os effeitos que sinto
Só são effeitos de Amor.

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