LYRA XXXII.

N'uma noite socegado
Velhos papeis revolvia,
E por ver de que tratavão
Hum por hum a todos lia.

  Erão copias emendadas
De quantos versos melhores
Eu compuz na tenra idade
A meus diversos amores.

  Aqui leio justas queixas
Contra a ventura formadas,
Leio excessos mal acceitos,
Doces promessas quebradas.

  Vendo sem razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
_Que finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado_!

  Junto pois n'hum grande monte
Os soltos papeis, e logo,
Porque reliquias não fiquem,
Os intento pôr no fogo.

  Então vejo que o Deos cego
Com semblante carregado
Assim me falla, e crimina
O meu intento acertado.

  _Queres queimar esses versos?
Dize, Pastor attrevido,
Essas Lyras não te forão
Inspiradas por Cupido_?

  _Achas que de taes amores
Não deve existir memoria?
Sepultando esses triunfos,
Não roubas a minha gloria_?

  Disse Amor; e mal se calla,
Nos seus hombros a mão pondo,
Com hum semblante sereno
Assim á queixa respondo:

  _Depois, Amor, de me dares
A minha Marilia bella,
Devo guardar humas Lyras,
Que não são em honra della_?

  _E que importa, Amor, que importa
Que a estes papeis destrua;
Se he tua esta maõ; que os rasga,
Se a chamma, que os queima, he tua_?

  Apenas Amor me escuta
Manda que os lance nas brazas;
E ergue a chamma c'o vento,
Que formou batendo as azas.

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