LYRA XXXIII.
Péga na lyra sonora,
Péga meu charo Glauceste;
E ferindo as cordas de ouro,
Mostra aos rusticos Pastores
A formosura celeste
De Marilia, meus amores.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Que concurso, meu Glauceste,
Que concurso tão ditoso!
Tu és digno de cantares
O seu semblante divino;
E o teu canto sonoroso
Tambem do seu rosto he dino.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Para pintares ao vivo
As suas faces mimosas,
A discreta Natureza
Que providencia não teve!
Creou no jardim as rosas,
Fez o lyro, e fez a neve.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
A pintar as negras tranças
Peço que mais te desvelles:
Pinta chusmas de amorinhos
Pelos seus fios trepando;
Huns tecendo cordas delles,
Outros com elles brincando.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Para pintares, Glauceste,
Os seus beiços graciosos,
Entre as flores tens o cravo,
Entre as pedras a granada;
E para os olhos formosos,
A estrella da madrugada.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Mal retratares do rosto
Quanto julgares preciso,
Não dês a cópia por feita;
Passa a outros dotes, passa,
Pinta da vista, e do riso
A modestia, mais a graça.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Pinta o garbo de seu rosto
Com expressões delicadas;
Os seus pés, quando passeão,
Pizando ternos amores;
E as mesmas plantas calcadas
Brotando viçosas flores.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Pinta mais, prezado amigo,
Hum terno amante beijando
Suas douradas cadeias;
E em doce pranto desfeito,
Ao monte, e valle ensinando
O nome, que tem no peito.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.
Nem suspendas o teu canto,
Inda que, Pastor, se veja
Que a minha bocca suspira,
Que se banha em pranto o rosto;
Que os outros chorão de inveja,
E chora Dirceo de gosto.
Ah, pinta, pinta
A minha bella!
E em nada a cópia
Se affaste della.