MANIFESTAÇÃO AGRÍCOLA

MANIFESTAÇÃO AGRÍCOLA

Já participei em muitas manifestações de diversas matérias, as mais habituais de carácter social e político.

Desta vez não podia recusar o apelo para participar, dia 8 de Novembro, numa manifestação de agricultores.  Foi no mundo rural que nasci, cresci e moldei a minha vida e o meu carácter. Aderi e continuarei a marcar presença, as forças assim o permitam, nesta participação activa, cívica e democrática.

Organizada pela Confederação Nacional de Agricultores, visava uma reclamação ao Ministério da Agricultura, ao Governo e demais Órgãos de Soberania, para a efectiva concretização e financiamento da Agricultura Familiar, por melhores políticas agroflorestais, entre outras reivindicações. Deve salientar-se que 70% das Explorações Agrícolas do País são Familiares, que 72% da mão-de-obra agrícola é familiar, que 80% dos alimentos consumidos no mundo provêm de explorações agrícolas familiares.

Do Fundão partiu um autocarro carregado de Homens e Mulheres que dedicaram uma vida à Agricultura, algumas pessoas com pequenos parêntesis ou hiatos, muitas que um dia emigraram à procura do futuro que o campo lhes negava e que agora regressam. Com as economias da diáspora investiram na Agricultura Familiar.

A vida económica do agricultor não é de benesses e a maioria levou o seu farnel. Apesar da chuva, sempre ameaçadora, a merenda foi saboreada sob protecção do Marquês de Pombal, aqui e ali um suspiro de quem teve que fechar vacarias, de renunciar a plantações e sementeiras.

Programada a concentração no Príncipe Real, por ordens policiais a manifestação só foi autorizada a sair do Rato, seguindo para a Assembleia da República via São Bento. Não foram dadas explicações para esta medida, talvez um dia acabem com as manifestações junto ao Palácio de São Bento, em frente à chamada “Casa da Democracia”.

No Largo do Rato, os responsáveis pela concentração trocaram algumas palavras: “todos os dias as televisões anunciam milhões para os agricultores, mas afinal nem os tostões lá chegam”; “as candidaturas de quem sofreu incêndios ou intempéries estão envoltas em tanta burocracia, que ficam esquecidas em gavetas fechadas, os agricultores desistem e, nalguns casos, abandonam definitivamente os campos”.

Mais de um milhar de agricultores estava ali presente, não era para ver a bola, nem para um festival de rock nem para a Web Summit.  Estavam ali para defender a sua subsistência. “Só é vencido quem desiste de lutar”, lia-se num painel de homenagem a Mário Soares na sede do Partido Socialista.

Na passagem pela Rua de São Bento, um residente vem à janela e diz-nos: “Pensava que já não havia manifestações e que este era o País das Maravilhas.” Outro residente mostra enfado: “Lá vem mais uma “manif”, ninguém vos vai ouvir, os deputados andam ocupados a mudar de  residência.”

Passa-se em frente à tão falada Fundação Amália Rodrigues - vemos o rosto da diva rasgado e deteriorado, nem a Santa Quitéria lhe vale -, e encontramos Jerónimo de Sousa, o único líder partidário que ali vi, a quem agradeci a presença com um aperto de mão.  Esta excepção só confirma a regra: os agricultores portugueses, tal como milhares de jovens neste país, vivem no nem-nem. Os que cultivam a terra, os que sujam as mãos calejadas, os que escurecem o rosto de sol a sol, os que são os obreiros inseparáveis da natureza estão no rol político do esquecimento. Não vêem as promessas cumpridas, não vêem a luz ao fundo túnel, não são ouvidos, não são considerados nem dignificados. É dramático viver neste nem-nem.

Recordando a canção do Zeca Afonso, “é preciso avisar a malta” para o que está a acontecer aos pequenos e médios agricultores portugueses.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Novembro/2018

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