Medina

Medina

Um dia fui apanhar enguias com o meu amigo Medina, um jovem de oitenta anos.

Foi no mês de agosto, cheguei a casa dele e sentei-me no banco do borralho enquanto ele acabava de almoçar. A porta da sua casa estava sempre aberta, assim que me viu chegar sorriu e disse - Hoje vamos apanhar das grandes. Comia peixe frito em farinha de milho que acompanhava com broa e vinho.

Nunca achei que o Medina se sentisse só, tinha sempre que fazer, armava costelas para apanhar taralhões, pescava ruivacos, criava galinhas, cuidava da horta… Sempre preferiu viver só, nunca quis ir para a cidade.

Era determinado e feliz, inteligente e prático, vivia como sempre viveu, bem consigo e com o mundo, tinha uma prodigiosa inteligência emocional, era uma pessoa espantosa.

Nessa altura eu tinha vinte e poucos anos mas sentia que o Medina era da minha idade. No mês de agosto partilhávamos os mesmos interesses, pescávamos de dia e saíamos há noite.

Naquele dia fomos para o Mondego, para a parte de cima do dique de Formoselha, a água do rio estava quente e o seu caudal muito reduzido, as pedras da margem direita estavam à vista... Ele sabia que as grandes enguias estavam escondidas nessas tocas. Como qualquer predador solitário mantinham-se entocadas, imóveis, esperando que algum peixe lhes passasse pela frente.

O Medina dominava uma arte muito antiga, apanhar peixe à toca, e era a altura mais propícia para apanhar enguias de quilo. Eu estava maravilhado com essa ideia, com a possibilidade de apanhar as grandes.

Para facilitar o nosso objetivo levava comigo umas modernices, um tridente que se usa para apanhar safios entocados, uma máscara e um tubo de mergulho para respirar e puder caçar sem tirar os olhos do ambiente subaquático. Pensava… Assim elas não vão escapar!

Entrámos no rio por volta das três da tarde, o Medina sem tirar a roupa e com as suas botas de cabedal entrou na água com um saco de ráfia na mão, daqueles que se utilizavam para carregar o arroz na altura da ceifa, são os melhores para segurar enguias.

Começamos a caçada, o velho jovem só percebeu a utilidade dos meus apetrechos quando me viu expirar lançando água para fora do tubo, ficou muito surpreendido! No final com a ajuda do tridente apanhámos três enguias das grandes, uma tinha mais de um quilo.

Ainda me lembro das palavras do meu amigo – Tive que viver mais de oitenta anos para ver um homem a respirar como um golfinho... Rimos os dois enquanto saíamos do rio.

Antes de irmos cozinhar um ensopado, decidimos passar por minha casa para fotografar as enguias, ele disse-me - É melhor ficarmos com uma prova senão ninguém vai acreditar.

Ainda bem que o fizemos, fiquei com uma fotografia do Medina e nunca vou esquecer como se apanham enguias grandes.

Miguel Sousa Santos

(09/11/2014)

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