MISERIA SANTA

Entrando esta manhã n'um templo da cidade
Aberto á multidão mas triste e quasi só,
O ver ao desamparo a velha magestade
N'um throno a desabar, meteu-me certo dó.

Restavam tão somente alguns dourados velhos
Do passado esplendor, e foi-me facil ver
Que uma nuvem de pó cobria os evangelhos
Como cousa esquecida e impropria de se ler!

A virgem, sobretudo; a mãe predestinada
Que o Golgotha lavou nas lagrimas de fel
Que sempre hade chorar toda a mulher amada,
Ou seja a mãe de Christo, ou seja a de Rossel;

Achei-a desolada e triste lá n'um canto,
Sem pompas e sem luz, coberta d'ouropeis
Tão velhos como o roto e desbotado manto
Que ha muito, já, deveu á crença dos fieis!

Dizer-me póde alguem d'affectos bons e puros
Que eu posso ainda encontrar as bellas cathedraes
Aonde o simples Christo e os martyres obscuros
Campeiam no fulgor de pompas theatraes.

Bem sei; mas como disse, o acaso ou o quer que fosse
Levou-me a um templo pobre e foi n'elle que vi
Que ha mendigos do céo, d'olhar sereno e doce,
Proletarios do altar a quem ninguem sorri!

E ao ver esta humildade,--eu tenho d'isto ás vezes,--
Pensei, não sei porque, nas morbidas vizões
Que não passam de ser as filhas dos burguezes
Mas de rendas de França enfeitam seus roupões!

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