Não é o emplastro
NÃO É O EMPLASTRO
Imagino que não há ninguém neste país que não conheça tão complexa e estranha personagem. Aparece há muitos anos nos écrans das nossas televisões, sempre atrás dos comentadores a fazer reportagens de julgamentos célebres, de encher páginas e páginas de jornais, para no final a montanha parir um rato. Nos eventos políticos os seguranças tapam-lhe caminhos, que não consegue ultrapassar, é pena porque não faz mal a ninguém, só quer comunicar a todos o seu rosto sofredor. Aparece nos festivais, nos estádios, igrejas, tribunais, manifestações, onde saiba que há reportagem televisiva, nos acontecimentos desportivos, como sócio já esteve ao lado de Pinto da Costa, Presidente do Futebol Clube do Porto. Também é sócio do Boavista. A este propósito, recordo que em outubro do ano passado o conheci pessoalmente no Estádio do Bonfim, em Setúbal, no jogo Vitória de Setúbal-Boavista, com honras de bancada central e muito aplaudido pelos sócios vitorianos. Dava a sensação de que estávamos felizes por termos marcado um golo na baliza do adversário, mas as equipas sadinas e axadrezadas ainda não tinham entrado em campo para jogar. No final do jogo formou-se uma fila para lhe pedir um autógrafo. Estou arrependido de não saber esperar e agora ter na minha posse a assinatura de tão pobre e simples criatura, simultaneamente um anónimo e uma celebridade.
Nos tempos decorrentes, talvez por ver menos televisão, não o tenho enxergado, mas no intervalo do jogo Marrocos-Portugal fiquei contente ao vê-lo aos ziguezagues atrás de uma simpática locutora da TVI no Porto. Afinal o Homem estava bem vivo.
Tem casa em Madalena, em Vila Nova de Gaia, onde vive com os irmãos, os pais já faleceram. Mas a sua grande casa, enorme, são os corredores do Aeroporto Sá Carneiro no Porto.
Naquele local, muitos passageiros e turistas querem tirar selfies ou fazer um vídeo com esta personagem popular, quase sempre com um saco de plástico ou “mala de cartão”, onde guarda alguns alimentos. Tirar umas fotografias ou fazer um vídeo tem de ser recompensado, porque não é todos os dias que se tem imagens na companhia do “Pintas”, como lhe chamam os irmãos por ter um sinal na cara.
Dorme muitas vezes num banco do Aeroporto, beneficiando no Inverno e no Verão do ar condicionado, com as calças coçadas, rotas, agora é grande moda principalmente das jovens e senhoras, mas a moda dele é a pobreza. Dorme de cabeça tapada com uma camisola de lã, e o travesseiro é o saco de plástico cheio de qualquer coisa que lhe dê conforto corporal, em muitos casos o recheio é papel higiénico. Não precisa de lençóis nem cobertores.
O Aeroporto é sua propriedade afectiva, tem o carinho de muita gente, ajuda o pessoal da limpeza e outros serviços, temporária e voluntariamente.
Não sabe ler, escreve apenas o nome, mas sabe os horários das partidas e chegadas dos aviões.
É uma figura do imaginário nacional, sempre imprevisível, está onde menos se espera, não tem quem a substitua.
Fernando Jorge da Silva nasceu num dia histórico para Portugal, 25 de Abril, mas de 1971. Nasceu um artista, um mestre na arte de escolher a melhor posição para que todo o mundo o veja nas televisões. Entra nas nossas casas e, quase sem darmos por isso, fica no meio de nós.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Junho/2018