Na Cauda do Cometa. (Crônica)

 

A Cauda do Cometa. (Crônica)                              

Guel Brasil.

 

          Era uma dessas noites convidativas de lua cheia, e nós não sabíamos por que a lua estava assim tão cheia e tão bonita pela segunda vez dentro do mesmo mês; estávamos num grupo de seis pessoas, quatro adultos e dois menores, que todas as quartas feiras tinham como obrigação caminharem por mais de uma légua, para prestar culto a um deus que a gente pouco conhecia; mais só de ouvir falar parecia ser o bastante.

          Aqui por essas bandas a noite caia cedo, e como a distancia era grande, a gente saia no comecinho do turvo, mas a lua já mostrava sua beleza surgindo brejeira num céu forrado de estrelas e de muitos mistérios; a estrada era boiadera com muitas cancelas, porteiras e mata-burros, uma caminhada bastante divertida pra mim e pra minha irmã que nessa época beirava os seis anos de idade; eu tinha cinco. Absague, Gelita, Nazinha e Ziza eram nossas companheiras nesta jornada.  Sobe serra, desce serra, ouvindo o burburinho dos riachos ao longo da caminhada, e de vez em quando uma coruja caburé dava seu grito rasgado quebrando o silencio da noite.

          Tinha uma coisa que me martelava o juízo, e meu entendimento era pouco pra entender, a troco de que um certo missionário sai da cidade grande, enfrentando todos os tipos de intempéries, para construir uma igreja no meio do nada, tendo como seguidores pouco mais de meia dúzia de famílias; e quem o conheceu dizia ser ele deus!... E o chamavam de “filho da promessa”. É, eu não precisava entender, não ali naquela hora; o entendimento viria depois. E depois da longa caminhada, se ajuntou ao nosso grupo outras tantas pessoas que também estavam a caminho da igreja; pessoas que a gente já conhecia. Lavamos nossos pés no riacho dos Lopes ali na margem da estrada, calçamos nossas alpercatas, e lá fomos render culto “ao filho da promessa” no meio do nada.  O culto demorou cerca de uma hora; e sob a luz de lampiões, o dirigente lia passagens da Bíblia, cantava hinos junto com os fieis presentes, e terminava o culto com uma oração. Isto era feito aos domingos durante toda a manhã, nas quartas-feiras à noite, e em todas as primeiras segundas-feiras de cada mês. Terminada a obrigação, cada grupo tomava seu destino para fazer o percurso de volta para as suas residências. Hoje, particular-mente a noite estava muito bonita e sobre a influencia da lua cheia, mas algumas nuvens de vez em quando ofuscava esse clarão, nada que atrapalhasse a nossa caminhada. Juntou-se ao nosso grupo dois dos filhos de tio Erom, Davi e Joel; tio Erom passou por nós montando uma velha mula luzidia que empacava mais do que jumento xucro.

          Em pouco tempo chegamos à casa de farinha próxima ao rodador na fazenda de tio Erom; esse é o ponto mais alto da estrada, e ali do alto agente via toda a várzea do Rio das Mulheres, e as poucas casas que sempre abrigava uma família. Ali, naquele ponto as meninas se despediam dos rapazes e acabamos de ouvir os gritos de tia Tereza que estava em frente a casa grande chamando por eles. O caminho onde nós estávamos era um atalho que encurtava um pouco o nosso percurso; já estávamos chegando à casa grande, quando uma nuvem escura cobriu a lua ocultando o seu brilho, e nós ouvimos um ruído estranho vindo do alto, como se fosse a queda de uma cachoeira; percebemos que embora a lua estivesse coberta por nuvens, o clarão da noite havia aumentado. O ruído vinha de cima, dos céus, e quando olhamos para o quadrante de onde estava vindo o clarão, vimos uma enorme bola de fogo que parecia ter saído de detrás dos morros do Urussu, e acompanhava o mesmo caminho traçado pela lua; atrás dessa enorme bola de fogo, um rastro enorme de pequenas estrelas que pareciam estar caindo ali mesmo perto de nós. O desespero foi grande, como eu era muito medroso o medo me paralisou, mas o restante do grupo correu para se proteger na casa de tio Erom, que a essas alturas também já estava fora no terreiro da casa apreciando aquele espetáculo da natureza.         

          Fiquei paralisado, mas não desgrudei meus olhos daquele espetáculo; pensei até que ele fosse bater na lua de tão próximo que ele passou, e o seu rastro foi se apagando, até que vi a bola de fogo se esconder por detrás da serra do Buraco do Boi; o que predominou depois foi o clarão da lua. Passado o grande susto, as meninas não tiveram coragem de seguir o resto do caminho, e ai se ajuntou a primaiada toda pra levar agente até nossas residências; cerca de três quilômetros. Todas as pessoas que estavam fora de suas casas naquela noite, viram o acontecido. E durante muitos dias não se falava de outra coisa. Na minha alma de menino, notei que a natureza ali ainda era a mesma de antes e depois do episódio; os lírios brancos no brejo e as moitas de dama-da-noite em frente das casas exalavam um leve perfume, o mesmo perfume de sempre. Estes dois eventos juntos marcaram minha infância. E até hoje por vezes, sinto esse mesmo perfume acalentando o meu espírito. Às vezes eu fico pensando; devia ter me agarrado na cauda daquele cometa!    

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