NA VERTIGEM URBANA
Era uma vez, uma viagem em balão, como a do livro de Júlio Verne, só que já lá vão muitos mais do que oitenta dias. Decorreram muitos anos desde que o ser humano iniciou a sua própria demolição.
Não. Num balão vê-se o mundo de cima e por isso, as coisas, não ameaçam querer cair a todo o instante em cima de nós. Não, não é esse o caso.
Era uma vez, uma viagem de avião, daqueles de grande porte, que apesar de toda a tecnologia, estão sem suporte no ar, oscilam, tremem e descem ou sobem, a planar aparentemente. Esta, talvez pudesse ser uma boa imagem, se não houvesse a característica, comum ao balão, de ver o mundo de cima e não de baixo como as formigas, com a agravante de que pairam “poeticamente” sobre as nuvens, e, naquilo de que quero falar dificilmente entra poesia dessa com borboletas esvoaçantes…sol cálido…passarinhos a fazerem os ninhos… É mais como a trágico-comédia ou sátira do absurdo quotidiano.
Era uma vez… Havia um marinheiro que vivia no alto-mar e que por tal, para ele o desequilíbrio, passara a ser a constante do seu estado.
Até podia ser. Mas não é bem isso.
O dito, marinheiro, depois de muito vomitar e temer a ausência de terra firme, habituou-se ao constante bamboleio do barco, e, somente fica assustado nos dias de tempestade.
Não. Nesta situação que quero descrever, até existe algo de habituação, mas o enjoo e o medo são teimosos.
Então, como dizer que se flutua com os pés em terra firme?
Tudo em redor é inconsistente.
Objectos quase fantasma.
O mundo parece virtual, desmaterializado.
Pura física quântica?
Um artista-plástico que besunta as telas com tinta, como se decalcasse esboços pré-desenhados, onde surgem teimosamente figuras flutuantes, tantas vezes translúcidas.
O olhar transformado no deambular, quase distante, bailado, mantém um ponto de mira incerto, descalibrado.
Desfile frágil. Atropelos. Atropelam-se pessoas e coisas. O mérito está na agilidade.
A jornada urbana é encetada em estratégia cautelosa.
Aventura fora de portas, delineada sem porto de abrigo ou guarda-costas.
Caminhar desajeitado em sinuosos percursos.
Apenas numa palavra cabe tudo o que aqui exponho: vertigem.
Sim, porque se trata de uma exposição. Como aquelas em que se colocam as obras nuamente, sujeitas à crítica de quem as absorve.
Oscila a mente e os objectos bambeiam.
De repente tudo se perde em cinzento esmagado como o magma arrefecido.
Derramada no chão das entranhas, tal qual uma ameba, não sabe se tremem as gentes ou se o que tremem são as coisas. Não pode distinguir se é do susto ou da dor.
Um sorriso amarelecido pelo inconformismo apresenta-se para um resgate em slow…dowm...
As imagens estranham-se das formas e dançam nas luzes das noites agónicas.
Emoções insuportavelmente silentes.
Os passos cadenciam-se a ritmo inconstante muito próprio do acrobata que se desloca, bamboleante, sobre a rede.
Equilibrista de braços afastados do tronco a percorrer o arame.
A surpresa inicial foi substituída por alguma rotina disciplinatória e medidas de adequação.
Adaptações a uma nova forma de viver?
Hábitos treinados como defesa. Mas o hábito não faz o monge, e, muito menos, acomodação ou simples aceitação.
O mais inoperante é estacionar a fobia. Ficar estanque ao medo.
Já não se sabe pular, nem trepar árvores, nem dar cambalhotas, nem rebolar no chão. Destino: correr, andar num baloiço de plástico. Eterno de carrocel.
Rebolar-se lambendo terra, arrancando erva com a boca é coisa que qualquer adulto que se preze, jamais quer deixar de poder fazer, ainda que nunca o faça, pelo menos, por puro divertimento, como acontecia na infância. Ou quero dizer, na antiguidade?
Existem crianças inteligentes e sadias que corre com a lógica fugir da chuva?!
A lógica devia, não subir mais que das unhas dos pés?
O que aborrece é ter que fazer algumas coisas, ditas importantes, convencionadas, como avançar uma poça de água para não molhar os pés.
Que piada tem a vida se não se puder saltar de chofre para um charco e estragar os sapatos acabados de estrear?
Eloquências auditivas enervantes enchem os neurónios.
Tudo é porta-voz de rugidos pré-fabricados.Babilónia temível.
Eram apenas sonoridades, mas todas as paredes, se sempre tiveram ouvidos, agora, também ecoam vozes de besouros gigantes.
O estado entre o pesadelo e a loucura, faz com que os interlocutores obstinem cenhos franzidos pelo esforço e os mais avisados esbocem cansaço, devido à intolerância.
Os rostos são fotocópias numa expressão de desalento impaciente.
Chegar a casa. A casa, um útero. Chegar a casa, resguardo das agressões externas como único e disforme pensamento a latejar nas têmporas.
Em certos momentos a verborreia alucina os que se auto-ouvem na ausência do diálogo. Outros nem a si próprios consente ouvir-se.
Troar das batidas do coração ou o ronco arfado do pânico, desagua no ritmo da cadência plácida dos ansiolíticos.
Ecos, ecos, ecos.
No meio da multidão, como se um ruidoso sol amassasse o cérebro, intolerante, de óculos escuros nos espaços menos luminosos.
Com os olhos, rios húmidos sem correntes, enegrecidos pelo esgotamento e atropelados pelas ideias, imagina de que cor se pinta o tormento de zunidos provocadores violadores do espaço craniano.
Raiva amarfanha em locais a abarrotar de silêncio envolvente. A serenidade pode apenas raiar. Conseguir desligar dos zumbidos e azedumes, por momentos, mesmo que, com pretextos banais.
Paradoxo. Incómodo dos pensamentos-ruído que não lhe largam os miolos. Som do bulício citadino, próximo, mas abafado pela ausência da vegetação, pelos muros e pelos prédios berrantes de modernidade ou de paredes tão antigas como espessas.
O desencontro com a paz.
Ilibar da prisão incondicional.
A mente inquieta num corpo, vezes demais, angustiadamente apático de desmotivação. Hipoactividade provocada pelo insegurança.
Indisposição indefinida. Espasmódica. Aturdimento? Cabeça cheia? Cabeça vazia? Medo das ressonâncias interiores e exteriores, do vómito, das tonturas, do desequilíbrio, das quedas em fossas-poço.
Arriscar no factor sorte.
Nos livros, as letras constroem um bordado de arabescos que não sabem nem querem ler.
Um autocarro ou de metro é sempre uma aventura pouco entusiasmada.
E, ia eu começar, como se de uma viagem se tratasse!
O percorrer do horizonte com o olhar, será sempre uma viagem de contornos débeis.
Caminhada fora de qualquer linha recta, num ziguezague embaraçador, absorto, distraído do rumo. Egocêntrico que, de olhar periférico, faz a sua rota sem convicção. Características que não andam muito distantes das pessoas com autismo, com a diferença essencial de que, ao que consta, aquelas auto-estimulam a sensação de vertigem e não a temem.
Os auscultadores onde os decibéis vibram, isolam, e neste mundo e são as armas de defesa preferidas.
Rotina. Caminhos diversos para chegar ao mesmo destino, mas estudar bem as rotas da autonomia e quando conhecidas obstinar em não sair delas.
Ruas que ganharam contornos de inimizade.
Kit mãos livres. Braços em prontidão para qualquer eventualidade. Homens-polvo interactivo.
Expressão da fácies, ora de Mona Lisa, ora de Madalena arrependida, ora de um qualquer pitosga que procura os óculos no espaço sideral que é a sua mesinha de cabeceira, com a diferença de que vê, mas não olha, não sabe de que deve arrepender-se e tem a mona pouco lisa. Crescem papos de faz de conta, forçados pelas turbinas da cabeça.
A sensação de que voa em asa-delta, é permanente.
A verdade é que ninguém consegue ter os pés totalmente assentes no chão.
Será bom ser normal? …“sim, sou muito louco…não me vou curar…mais louco é quem o diz e não é feliz”, canta o Ney Matogrosso.
Normal?
Que é isso, senão um dado estatístico de referência útil?!
Cumpre, pressionada pela esperança, as medidas agridoces da compaixão.
Encarna a cobaia num qualquer novo experimento anti-exclusão.
Continuação da catarse.
A pista está cheia de obstáculos aos objectivos.
Na matriz pautada por pretensa coerência flexível, não se consegue arrumar todos os espaços em aberto e mal resolvidos a boiar sobre folhas cujos rabiscos foram apagados com uma borracha e deste modo mal se definem.
Primar pela teimosia resistente.
Pensar no branco.
Pensar em nada.
Vazio.
Onde não há nada, não há incómodos nem dores.
As dores do mundo. Agonia constante qual zumbido repetitivo e insolúvel.
Uma tristeza com as medidas do infinito. O desistir em eminência.
Avestruz!
Dormir. Dopagem, como único apaziguamento de umas horas. Fumar no ocupar das mãos. Ócios de intoxicação. Quem disse que a lógica impera!?
Viver ao sabor da vertigem. Isto não é uma figura de estilo literário, é antes, a uma realidade do quotidiano.
Tentar sobreviver, dá noção de auto-eficácia e por tal de auto-estima, não!?
Apurar a resiliência que por vezes falha.
Procurar desvalorizar os sintomas da náusea universal e indizível.
Na sofreguidão do belo, o antídoto.
Se a cabeça fosse uma caixa de música, dava-se corda tão só quando se pretendesse ouvi-la e tocaria apenas alguns minutos. Vidrado encantamento, no dar corda para um ouvir condicionado pelo cronómetro de uma caixa de música, ainda que uma daquelas bolas pirosas, onde, quando agitadas, flutuam imitações de flocos de neve, e apoiada numa base, igualmente inestética, de onde pode emanar uma valsinha ridícula.
Sugar este som com algum consolo.
A gravidade de um tamanho abissal encharca tudo e chega a cheirar a pântano.
Passam vidas na espera de olhar estrelado.
Afastar do peso entranhado, na dinâmica de felino com equilíbrio estato-ponderal invejável.
Porém, o peso, sempre a gravitar.
O néctar duma chuva tépida ou uma brisa morna, cheira a ungento anti-stress. As tempestades diluvianas, guardadas nas memórias ancestrais, fazem absorver como uma esponja, doses de energia tsunâmica.
Serão os ecos que se ouvem, resíduos de vivências musicadas quase esborratadas pelo tempo?
A cidade ouve ecos da própria voz, no seu sistema de som avariado onde se perdeu a estereofonia.
Apenas espaço feito necrose. Torto. Disorcido. Pelo menos a mente deve seguir caminhos tortuosos, daí o desequilíbrio.
Caracol. Recolhimento na concha a cada aviso de perigo eminente.
A semelhança, será maior, com o louva-a-deus, temente de quebrar as pernas delgadas que suportam o volume do corpo, naquele balançar para a frente e para trás, como quem se arrepende a cada passo que dá.
Ao cair das tardes, o refugiar do cansaço em paisagens preferencialmente desérticas, por vezes criadas, não mais que, na imaginação.
Olhar para dentro. Escutar-se. Fugir do próprio corpo, como se este fosse um uniforme vistoso e incomodativo. Algo exterior a si. Um esquema corporal adulterado. Invólucro coersivo, castrador do fluir da actividade com espaço e com tempora.
Imaginar o que sentem as bestas quando são carregadas com fardos de pertences que não lhes pertencem. Os animais e também os homens-escravos do mundo.
Calar o intimismo, dar um abraço apertado ao dia e alienar tudo no riso.
Sorrir ao discurso interno, falado em surdina enquanto tacteia entre os vultos cúmplices.
Há quase sempre um coxim de sedas, que protege e salva das quedas sem aviso.
Talvez por isso e pelo quase silêncio que se encolhe no seio de um quarteirão da cidade, o deslocar, adquire uma segurança neste lugar, como já não é possível num qualquer outro, nem mesmo dentro de casa.
O sonho. Estado de vigília em que a memória funciona como durante o sono, esquecendo parte do que sonhou. Ficar com a vista esquecida num átomo do mundo, sem pensar em nada digno de ser recordado. A sensação de alívio de uma sesta tranquila.
Nenhum sinal de mau tempo a impedir de usufruir deste espaço mágico, onde a agitação também se dilui. Os alarmes e os claxons perdem perdem terreno. Só mediocridade inibe este grande privilégio.
Encubamento, num reflexo de defesa animal.
Desenhar uma cortina de fumo de trama negra, cheia de incógnitas.
Um barquito à deriva que sem farol não descortina nenhuma hipótese operativa.
Super-herói. Batalha com as sirenes e os exaustores que guincham corrosiva e permanentemente nos seus ouvidos.
Enfrenta o tráfego urbano.
Sempre a esboçar fáceis sorrisos, à laia de desculpa, pelo embaraço da existência trôpego. Esforços caricatos de sobriedade. Recurso muitas vezes evitável. Agarrar os peões, jamais!... para não os assustar. Que pecado não tocar o desconhecido!
Os passos que pisam atrás das sombras, são semáforos fundidos. Há que abrandar, a pontos de parar a marcha, para permitir a ultrapassagem sem acidente por esbarramento.
Pequenos e supostos radicalismos urbano-depressivos.
Nestes dias de vertigem, sair de casa é um acto radical!
Automóveis. Um luxo da actualidade, mas convenhamos que é um vício tão difícil de largar como qualquer outro.
Perigo real no aturdimento constante de descair. Como aquela percepção errada, ao viajar de comboio, de que são os elementos da paisagem exterior, que estão a andar.
Sonhos colocado na prateleira dos arquivos mortos, talvez utopia. Mesmo assim, a alegria pendura-se aos sobreviventes, torneando o desconsolo com o prazer.
Depois, morrer de agastamento entre sorrisos atirados para o ar.
Sem sacrifício.
Coisa de raros momentos de ausência de sado-masoquismo.
Um grito de timbre forte.
Prosseguir em estado de cama.
A mosca quando lhe põem insecticida, cairá estonteada pelo prazer?
Sempre morna de música cinzenta, monótona, monotónica, terapia de relaxamento. Quem sabe, da mesma maneira que irrita uma voz, monocórdica, que quase nunca se desnuda, face a uma discussão.
Apesar disso, o ensaiar deste último tipo de expectativa é benfazeja como uma prescrição médica.
Que seca! Qual relaxamento!? Frustração, sim!
Quase que outro ser.
Uma sombra na sombra.
Voltando aos óculos de sol.
Adoradoradores do sol como diria Fernando Namora.
Esconderijo de traiçoeiras olheiras da insónia e dos pesadelos que afastam o sono, numa salvação mascarada daquela péssima auto-estima que, nestes agoras, prevalece.
Um sem número de vezes, fechar os olhos, é um acto temido, apesar dos anti-depressivos de recurso, à queda em banho de imersão em pesadelos.
Pormenores ridículos mas que viraram o dia a dia do avesso.
A insegurança, a ansiedade, o pânico são os familiares mais próximos disponíveis.
Sem raízes.
Literalmente.
Viver em cerca de uma dúzia de cidades, faz parte do currículo.
Por opção, por curiosidade. Porque a rotina altera emocionalmente tanto, como as mudanças perturbam.
Treino no dizer adeus. Desvinculação padronizada. Privar de afectos contagiosos e obscuros. Não se regam por slogans, porque a educação pode ser rígida,
Pronto! Já cá faltava a canção do desgraçadinho!
Qual drama qual carapuça!
Barreiras intransponíveis a grande parte dos ideais, ou apenas, ilusões, entusiasmos.
Auto-estrada livre.
Atenção! Atenção!!!
Por estranho que pareça como não havia obstáculo para apoio, deu-se o despiste!
Caminhada invadida por cálculos e pontaria de obstáculo a obstáculo, o que quer dizer, que entre um carro do lado esquerdo e um poste mais à frente se encontra um vazio de muletas.
Um carro estacionado tornou-se um precioso ponto de mira e ponto de apoio, uma ajuda indispensável ao serpentear por um passeio, entre as paredes das casas e a berma (um verdadeiro precipício!)
A fartura de amizades esvai-se no tempo e na indisponibilidade.
Subtraem-se preciosamente nas pontas dos dedos, procurando segurá-las com laços azul indigo. São, pelo menos, vozes de cumplicidades, ecoam e são imensas.
Quando as crises de pânico não espreitam, sempre que os mares estão mais calmos, o embevecer soa a música, ritmando passos que qualquer vertigem achará atrevidos.
Subir um cavalo e galopar por uns minutos de exultação!
Um enorme esforço para fazer o inesperado numa situação de demolição.
Felizmente, aprende-se, para aconchego moral, não tanto, pelo que calhou bem, mas por aquilo em que se errou.
A falta de formalismo, aquele misto de poeta com laivos de pseudoartista, só é eventualmente, perdoada tendo como moeda de troca, o empenho e alma apostada.
Incomodar com uma frontalidade pouco cautelosa.
Confrontação necessária à preservação da espécie.
Inominável capacidade de desconstrução da arte, onde caem todos os desabafos.
Fantástico privilégio de, depois de muitas revezes da vida, e, vários agoiros poder escolher a profissão para a qual, alguma pessoa, se sente realmente vocacionada. Esta palavra existe no dicionário, mas nem toda a gente, tem a sorte de poder usá-la. Apenas, poucos a podem usar. Para muitos, viver é fazer umas lecas.
Qualquer que seja o trabalho que se arranje, deve ser exercido com profissionalismo, não!? Se for ensacar batatas, isso terá que ser executado com toda a nossa perícia. Ninguém tem culpa de que outrem esteja na profissão errada, seja lá pela razão que seja! Se não é vocação, não é! Tem que ser é profissionalismo! Fazer da forma que melhor se consegue. Vocação? E se for puro egocentrismo? Escolhe-se uma profissão humanitária e passa-se eternidades a ouvir-se o que se quer ouvir. Dizem que somos extraordinários, por fazermos algo que outros acham não serem capazes de desempenhar e o ego ufana!
Por outra parte, no caso de outros, ainda a coisa fica mais dúbia porque a compensação sócio-afectiva que recebem preenche numerosas lacunas.
Vale para quase tudo? O mais árduo é não mentirmos a nós mesmos. Para isso, era preciso que nos conhecêssemos na íntegra, mas é aí que reside o enigma humano. Nunca alcançamos a nossa essência. Por tal, temos sempre uma desculpa para podermos iludir-nos e ainda mais facilmente enganar os outros. Pese embora a construção do eu depender da existência do outro, diz-se.
Nunca calar e consentir? Coerência, não significa nunca mudar de opinião, mas talvez, dar a cara a todas essas ambivalências que caracterizam o ser humano. Se fosse na pintura seria, não usar velaturas.
Acreditar, convicção sem peias. Em…?
Uma voz monocórdica que não sabe gritar. Educada…Certo é que bem precisava de dar uns uivos à laia de desabafo. Assim, é como uma panela de pressão a que se esqueceram de tirar a tampa. Como aquela sensação, que também sufoca constantemente, de tampão no ouvido. Sensação comum à maioria dos mortais, momentaneamente, quando mudam de altitude.
Dar oportunidade ao calar da voz e dos pensamentos, ao contrário de alguns humanos que pavoneiam uma sabedoria, que só serve a vaidade de cada um.
Falar ao mesmo tempo que pensar, isto é, antes de pensar no que ou deve dizer-se. Evidentemente, nestas alturas, a par da grata espontaneidade, a insignificância assenta como uma luva.
Satirizar pavlovianamente. O treino da independência aparente e defender aquilo em que acredita.
Ora, isso da independência, no que respeita à autonomia, desde há uns anos, está comprometido exalando bafos de invalidez. Uma charada de dependência mútua.
Liberdade fustigada, ora por ventos de intempérie, ora por leve brisa com aroma de maresia, sempre a tentar manter-se presa ao chão, ao invés de voar.
O arrastar por subterrâneos do prazer indispensável.
Investimento em fonte segura, tal o dispêndio de energia que exige a palavra felicidade. Tensão das relações e exigências sociais comuns, desgastam até às entranhas da mágoa.
Parar. Tentar o auto-exame. Vasculhar e descobrir o paradeiro dos mais pequeninos sonhos.
Atónita escuridão, a incapacidade total para os reencontrar de tão entrapados e sumidos que estão, no tem que ser e no esgotamento.
Opiniões divergentes.Conselhos primorosos.
Extenuar incapaz para raciocinar, lançamento numa derrota abrupta. Os heróis, na sua maioria, morrem com glória póstuma. Os derrotados, entregam-se e salvam a pele. Lúgubre, mas um facto, um fato tingido de cinza cobardia.
Parar como medida paliativa.
A intuição faz acenos com a mão, sugerindo um colchão com o lençol opaco da espera.
Impotência perante qualquer actividade ou ócio. Comer pão seco colocado estrategicamente, perto do sofá, só para não haver o incomodo de lhe ir colocar a manteiga. Nem ler. Nem ver televisão, nem computador, nem ouvir música. Nada.
Só cansaço e sono induzido, repleto de insónia, albergue de sonhos terrificantes frequentes.
Agora morre-se e nasce-se todos os dias, construindo maquetas de novos e afáveis momentos de consolo.
Incrível restauro dos dias de tréguas, os prémios breves que são os momentos de alegria, quando esmorecem as ideias confusas .
Perscrutando desejos antigos um tanto bolorentos, mas, ainda não descartáveis.
Emerge a leveza, em algumas horas, no apaziguamento das emoções.
Sem grande convicção, revive, onde garatujas de ideias soltas se escrevem com o esforço de quem desenha as primeiras letras.
A promessa de abertura para deixar o círculo umbilical.
Resuscitação efémera quando uma primavera autoriza o cansaço a prestar provas. Há pessoas que a partir de determinada fase da sua vida assumem que não têm que provar nada a ninguém, a não ser a elas próprias, se, se derem a este magnânime trabalho de aprumo, sem usar de auto-comiseração.
É uma espécie de birra que vai crescendo com a idade, contra tudo o que foram obrigadas ou induzidas a cumprir a pouco gosto. A palavra educar foi inventada para inibir os impulsos naturais. Um pacto social exigido para controlar a fera que existe em nós, e, por outro lado, uma castrante forma do potencial genuíno que cada um tem. Se há coisa que se beneficie ao contactar com pessoas de diversas culturas, é o facto de se aprender a dispensar, um sem número de salamaleques e mesquinhices geradas pela futilidade de alguma da etiqueta sociocultural. Há normas essenciais para a vida em comum, para controlar o nosso natural egoísmo. A solidariedade devia ser uma das primeiras da lista que, pelo estado do mundo, se pode ver que tem sido muito mal aprendida ou ensinada.
Teoricamente insustentável? As filosofias valem o que valem para quem as escreveu. Goethe, escreveu, que “nenhuma sociedade pode ser fundada noutra coisa senão no conceito de igualdade” e que ”a liberdade moral de me subordinar (à lei social) levo-a eu comigo”.
Brotam pensamentos, que emaranham as emoções, não raro, coloridas de sarcasmo e não azedume.
A curiosidade puxa para um sem número de assuntos que não servem de conversa com ninguém, de tão estúpidos, insignificantes que, na sua maioria, são.
Aleatória concentração em pormenores, que não lembram ao mais pintado.
Já não há pachorra para dissertar coloquialmente, seja sobre o que for.
Ecofobia sempre eminente.
Desorientação.
Rodar 90 graus.
Ajuste da direcção. Agora é mais difícil. Rodar 180º. Com a sensação de vertigem que estes movimentos dão, é prioritário, não tentar fechar os olhos, como a experiência diz, porque é bem provável o desequilibrar e o perder do rumo, mais prontamente.
De onde vem , afinal?
Se pode ser verdade que a curiosidade mata, também é obvio que vai morrendo com o tempo, de morte lenta, eutanásica.
Interlúdios de vida, um não quer saber de nada.
Há dias em que o saber ocupa tanto lugar que só resta espaço para a indiferença.
A vida stand by da crisálida no casulo a aguardar o nascer tardio das asas.
Depois renascer, sentar-se ao lado da infância e não sair da idade dos porquês.