Natal

Penso, penso e penso... e pouco ou nada concluo. Nem sequer sei se pretendo chegar a algum lado com estes pensamentos.

Eis ali um homem, por detrás do véu que separa os mundos. Estranho, como plácido nos observa de outra dimensão onde a aurora nasce neste momento.

Mas eu conheço-o. Quando era menina, ele vinha e lia-me com inabalável determinação os contos de fadas dos livros de capas velhas que havia lá em casa. E olhava-me. Olhava e sorria... e eu acreditava.

Enquanto os seus dedos corriam pelas páginas, o brilho no seu olhar mudava, e ele explicava que nós, confusos andarilhos humanos às cabeçadas à linha do tempo, nunca percebemos quão dolorosamente curto este é.

Matamos aqueles que podiam salvar-nos, louvamos aqueles que nos matam. Todos os dias...

E eu pensava "como é possível".

Ainda hoje penso: - "Como é possível?"

E ontem ele regressou, após anos de ausência... Mas ontem regressou.

Trazia a mesma expressão de afecto de sempre e senti uma dor no peito acompanhada de uma lágrima que caiu.

Ele lembrava-se de mim.

E desta vez, trazia uma mulher com ele. Ao seu lado, mão na mão. Linda, sorridente e afectuosa.

Sentaram-se junto a mim, e enquanto ela pousava a mão nos meus cabelos, ele recomeçou as histórias interrompidas há tantos anos.

Acabei compreendendo que existem contos de fadas durante toda a nossa vida, nós apenas nos tornamos duros demais para os reconhecer, compreender ou mesmo... aceitar.

Ela colocou então as duas mãos na minha testa e senti-me cair numa escuridão profunda. Continuava a ouvir as suas vozes, mas desta vez estava lá e pude ver a raça humana vivendo século após século no medo do desconhecido, da morte, dos pensamentos dos outros, dos seus próprios pensamentos, das palavras.

Temem até o pensamento que vem a caminho mas não chegou.

As mentiras quebradas e os corações endurecidos, o que está para vir, ou não, mas só amanhã...

O desconhecido que flui nas mentes é afinal conhecido, a realidade está ali adiante, a culpa em toda a parte e a razão é uma brasa em lago congelado.

E três espectros reais buscaram que o incenso e a mortalidade se entrelaçassem.

Ela trouxe-me de volta. Os três enlaçámos os dedos e ficámos calados. Mas eles sabiam que eu compreendera.

- Parece tão trivial, um dia que para muitos tem auréola de stress abençoado, manifesta lixo e drama que já não surpreende.

Tenho certeza de que não há neve em Belém, nem a estrela tem um patrocinador...

Ou terá: o Santo Padroeiro da ganância...

Há humanos no mundo, mas para onde foi a humanidade?

Plantamos árvores para depois as cortarmos, há dinheiro para fazer a guerra mas não para dar a todos qualidade de vida.

E onde está a justiça no mundo?

Tornámo-nos tão acostumados a lavagens cerebrais

que nos esquecemos de pensar por nós mesmos.

E enquanto as pessoas se sentam com bebidas e chocolates, a ver filmes em família,

pintam hoje, e mais uma vez nos seus espíritos novas camadas de verniz necessário...

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