Necrológio

No dia nove do quatro de dois mil e sessenta e sete, Matheus Roberto morreu por complicações de saúde, especificamente no coração. Seus maus hábitos o fizeram chegar nesse estado. Eu adorava conversar com ele, debatíamos sobre filosofia, nosso dia a dia e todas as nossas inseguranças. Ele confiava em mim e basicamente falava tudo, exceto 50% da verdade […]. Matheus tinha o péssimo hábito de guardar seus sentimentos para si. Creio que ele só falava para sua esposa. Mentia sobre suas dores, queria estar no topo de sua consciência. Era como se fosse dono de seus instintos. Chego a pensar que não o conheci em sua totalidade; na juventude era pior, mas com o tempo foi melhorando, seu autoconhecimento e sua sinceridade enraizada em sua alma o fizeram uma boa pessoa.

Escritor famoso, conseguiu o que tanto sonhou, mas nas horas vagas se sentia incompleto. Vivia no mundo da lua, sonhava em ser rico. Não foi! Mas ele foi rico de espírito, percebeu que o dinheiro era uma alienação do senso comum. Disse uma vez que não era uma real necessidade, e sim um medo de parar como um mendigo; quantas vezes ele já ficou paranoico pensando em tais loucuras. Veio de uma família pobre sem solidez financeira, deve ter sido isso o fulcro de sua ilusão.

Casou-se e tinha seus lindos filhos com a sua esposa. Ele vinha com umas ideias de querer dar ensinamentos as crianças. Nessa parte era respeitável, se seus filhos seguirem por toda vida seus conselhos, as coisas ficarão mais fáceis. Matheus tinha uma coisa engraçada: ao mesmo tempo que não era religioso ou espiritualizado, vivia na filosofia religiosa. Devorava os livros do que entendemos por metafísica. Pegava uns ensinamentos budistas aqui, outros esotéricos lá, admirava a melancolia cristã, mas se rendeu à dúvida. Claramente ele tinha um propósito espiritual, no sentido de algo maior, mas sabe-se lá o que era.

Seus poemas eram voláteis, na parte inicial era depressivo, cinza e chafurdado no desespero. Os textos carregavam umas verdades que muitos não teriam coragem de escrever. Na meia-idade as coisas eram sobre filosofia, existencialismo e o cotidiano; ele no momento que saía da realidade, pensava como uma criança inocente: ‘’qual a essência de um cubo’’, ‘’o que está por trás da linguagem’’, ou ‘’por que a vida é tão difícil?’’. Era interessante esse estilo de pensamento, apesar de seu supremo pessimismo (proclamado por ele como realismo). Lembro sobre seu lindo gosto artístico, mesclava o divino com o grotesco; o feio com o belo; as dores com as angústias.

Ensinou-me a ser mais sincero; foi influenciado pela filosofia grega sobre solidar princípios éticos. A sinceridade para ele é a chave para se viver dignamente. Dizia ser responsável por todas as desgraças e bonanças em sua vida. Tudo, de acordo com ele, era escolha: você poderia se estressar se tropeçasse no meio da rua, ou poderia rir de tal tosquice e fazer piada com isso. A comédia, apesar de sinceramente não funcionar, mesmo ele dando esse discurso, era útil. Roberto só pensava em graça em qualquer situação, mas quando envolvia ele mesmo, nossa! Aí vinha o seu melancólico drama. Escrevia, fazia da existência um umbral escuro e sem nexo. Ríamos juntos dessas incongruências. Sentirei falta do famoso Reirazinho, só que onde estiver (ou não estiver), você foi um bom amigo.

Fique com Deus, Matheus.
Ou só em paz!

 

 

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