NEM MAIS UMA PALAVRA

ARMAS LETAIS

 

Filho, volta cedo,

O mundo está cheio

De monstros reais.

Nunca é demais,

Precaução e zelo;

Acho que esse anseio,

Herdei de meus pais.

Devagar rapaz,

A pressa é atropelo,

Haja com respeito

Aos ideais alheios.

Pense no que faz,

Fuja de si mesmo,

Ódio e preconceito

São armas letais.

Somos tão normais

Quanto nossos erros.

Mas ao cometê-los,

Já não dará mais

Para voltar atrás.

 

 

SOMBRA DE UMA TRAIÇÃO

           

Preciso esquecer essa mulher

Que uma hora diz que quer

E outra nem dá atenção.

Preciso arrancar do coração,

Esse amor que ainda é

Sombra de uma traição.

Não quero alimentar uma paixão

Que me pede pra ter fé

Mas só crê se convier

Com a sua condição.

Não pode sustentar-se a relação

Onde alguém pede perdão

Por aquilo que não é.

 

 

 

 

ADEUS QUERIDA

 

Amar é superar intrigas,

Inverdades e querelas.

É entregar-se sem reservas,

Rejeitar as vis mentiras.

Diante de acusações tão severas,

Nada mais me restaria,

Além de dar adeus a ela.

 

 

APENAS UM VILÃO

 

Você me elevou a Deus.

Agora me supõe o Diabo.

Nossa que macabro

Tão extrema inversão!

Sou apenas um vilão

Que tem fama de culpado.

 

 

O EQUILIBRISTA

 

Eu não sou nenhum deus,

Nem tampouco, um demônio.

Sou apenas um mortal

Que vive entre o bem e o mal,

Se equilibrando.

 

 

ALGUMA PROVA

 

Será que ainda vivo?

Preciso encontrar alguma prova.

Sob palmos de uma cova,

Não habito.

Mas se é real o mito,

A morte é suposta.

Eu acho que ainda existo.

Pois admito,

Não saber a resposta.

 

 

O VESTIDO AZUL

 

Mesmo no distanciamento,

Não me sai do pensamento,

Ela em seu vestido azul.

Nem as praias lá do sul

Tem tamanho encantamento.

Imagino quando o vento

Faz com que o vestido azul

Delimite suas curvas,

Eu a vejo seminua,

É maior meu sofrimento.

Sei que tudo, com o tempo,

Cai no escuro esquecimento.

Mas o seu vestido azul,

Guardarei em um baú

Até o último momento.

 

 

PELOS MEUS SAPATOS

 

Sou estranhamente só

Em um mundo povoado.

Sou constantemente falho

Entre tentativa e erro.

Sou avesso

Aos ternos engomados.

Meus sapatos

Mostram quanto desmantelo.

Nunca me levanto cedo,

Mesmo quando necessário.

Meu escárnio

É por quem tem prato cheio.

Sou tão feio

Quanto pintam o diabo.

Sou levado

À loucura e ao desespero.

 

 

 

 

 

 

O COMEDIANTE

 

Sou do tamanho que posso,

Que não pode ser tão grande.

Sou às vezes, num instante,

Tão pequeno, tão remoto

Que me sinto um gigante.

 

Sou maior do que fui antes,

Infinitamente escasso.

Tão extremamente raro

Quanto vasto e abundante.

 

Sou gritante

Quando calo.

Sou silencioso e magro

Quando gordo e falante.

Sou um triste ocupante

De um espaço ainda vago.

Sou tão trágico

Quando sou comediante.

 

 

É O FIM

 

Parece que realmente é o fim.

A vida não foi tão ruim

Quanto poderia ser.

Despeço-me sem muito dizer,

Foi bom a todos conhecer,

Que digam o mesmo de mim.

Eu sempre achei que fosse assim,

Sem asas de anjo querubim,

Sem um demônio a me aquecer.

Meu corpo teima em viver,

Minh’alma prestes a morrer,

Ainda insiste em dizer sim.

 

 

 

 

 

 

NOVAS IDEIAS 

 

A nova ideia

É antiga e reinventada.

Era tão ultrapassada

Que se tornou moderna.

 

Numa moldura estética,

Uma réplica alinhada,

Tanto tempo desusada

Que parece ser inédita.

 

Desconhece a própria ética

Por conduta inadequada,

Não por ser cópia pirata,

 

Mas por ser originada

De uma imagem abstrata

Que havia em outra época.

 

 

MINHA VERSÃO

 

Eu não tenho a pretensão

De dar as mãos

A quem me ata os pés.

Não estou entre os fiéis

Membros da congregação.

Nunca foi minha intenção

Ir além de uma cova.

Numa alcova,

Ponho toda devoção.

Não desejo ser irmão

Por parte de um pai que é mito.

E escrito por escrito,

Eu prefiro e acredito

Em minha própria versão.

 

 

 

 

 

 

UMA OPINIÃO

 

Acho que a felicidade é ilusão

Tanto quanto o amor também seria.

Essa euforia não seria alegria,

Mas pura fantasia da emoção.

E a fiel devoção a uma companhia,

Não passa de ironia de nossa evolução.

Enquanto a tristeza é depressão,

O ódio é uma arma defensiva.

Melhor colher a flor da fantasia

Que espetar o amor e a alegria

Com o espinho de uma opinião.

 

 

O ÚNICO DA CASA

 

Eu sou o único da casa

Que não precisa de alma,

Que não aceita doutrina.

Enquanto estão todos na cozinha,

Eu permaneço na sala.

Talvez eu seja um fantasma,

Enquanto a vida ainda é minha.

A mãe se encontra sozinha,

Sob uma cruz lapidada.

O pai, às vezes, dá asas

A sua fé repentina.

A irmã mais velha se anima

Com seus espíritos e carmas.

A outra, a portas fechadas,

Reza uma salve rainha.

Um dos irmãos na esquina,

Grita que o mundo se acaba.

O outro, de casa em casa,

Testemunha a própria sina.

Todos permanecem ainda

A procura de uma aura.

Eu sou o único da casa

Que não precisa de alma,

Que não aceita doutrina.

 

 

A VERDADE DO DIREITO

 

Tudo é preconceito,

O que vejo, o que sinto.

Pra dizer a verdade do direito,

Eu minto.

 

 

NO ABRIGO

 

O ancião olha ao seu redor,

À procura de um membro da família.

O abrigo parece uma ilha,

Ele, um náufrago há muito tempo só.

Quando noite, evita sentir dó

De uma vida tão longa e tão vazia.

Sua memória, às vezes, distorcida,

Confundia o real com a fantasia.

Consciente, ele sempre se inquiria:

Qual dos dois seria o pior?

 

 

DESCOMPROMETIDA

 

E quando a porta se fecha

Por mais uma noite, me deixa

Sem dormir.

Eu vejo você a sorrir

Na cama ainda desfeita.

Rejeita o pedido e me beija

Dizendo que volta na terça

Pra se divertir.

Prefere viver sem mentir,

Sem ter que ouvir minhas queixas.

Melhor não desfazer gavetas

Toda vez que sair.

O sol mal começa a surgir,

Você não me sai da cabeça,

Não pede que eu a esqueça,

Somente que a deixe partir.

 

 

 

UM FIEL BOM E GENTIL

 

Às vezes, eu me sinto tão vazio

Que me dá um calafrio

Como se a minha alma

Reclamasse dessa farsa

De um fiel bom e gentil.

 

O meu maior desafio

É fingir amar ao próximo

Quando tenho nojo e ódio

Num sintoma doentio.

 

Demonstro um amor febril,

A um deus que não me agrada.

Vou ao culto e dou graça

Com um fervor tão senil

Que chego a crer que o ardil

De toda a minha trapaça

É um anjo que me fala

Para ser crente e servil.

 

 

Sob vigilância

 

O homem se perde

No raciocínio lógico de sua crença.

Percebe a lenda

Que não cura e não fere.

Jamais se refere

A ser supersticioso

Com um passado mentiroso,

Para não expor a pele.

O homem não se esquece

Que era sempre observado

Por fantasmas, deuses e diabos.

Eis que agora, se aborrece.

Foi tão mal acostumado

Que não quer ser libertado

E com câmeras se persegue.

 

 

 

EXPOSTO AO RIDÍCULO

 

Falar de amor

É se expor ao ridículo,

Posto ser o romantismo

Algo há muito ultrapassado.

Hoje, o termo adequado

É ficar, somente isso.

Sem vínculo, sem compromisso,

Sem flores e sem recados,

Os beijos são decorados,

Acabou-se o improviso.

Ambos seriam submissos

Se estivessem apaixonados.

Ele e ela são levados

A tornarem-se promíscuos

Em um sexo sem o risco

De acabarem-se casados.

 

 

O TEÍSTA

 

O que pretende o teísta

Com sua fé desmedida?

Sua ganância é explícita

Até mesmo em salvar almas.

Se não pode conquistá-las

Com sua boca maldita,

Arrogante, se excita

Ao prazer de condená-las.

 

 

MESMO QUE ESTEJA LÁ

 

O que existe de fato

Senão o que conhecemos?

O que jamais percebemos

E não ouvimos falar,

Não existirá no tempo,

Mesmo que esteja lá.

 

 

 

MINHA INSENSIBILIDADE

 

Meu coração não é tão vasto,

Não há espaço pra piedade;

Cabe amor, cabe saudade,

Cabe uma pessoa só.

 

Meu coração não é maior,

Não cabe dó, nem caridade;

Cabe paixão, cabe vontade,

Cabe uma pessoa só.

 

Meu coração é bem menor

Que minha insensibilidade.

 

 

PEGAR O TREM

 

Não espero por ninguém,

Nem também faço promessas.

Por favor, nunca me peça

Para não andar depressa,

Não me sentiria bem.

Devagar se vai além.

Não caio nessa conversa.

Venha logo, se despeça,

Que eu vou pegar o trem.

 

 

TENHA CALMA

 

Não force a barra,

Nem barre à força.

Ao menos ouça

O que se fala.

Não feche a cara,

Nem ria à toa.

Qualquer pessoa

Merece calma.

 

 

 

 

PRA ACABAR COM A FOME ALHEIA

 

Minha única tristeza

É está por trás da mesa

Comendo feito um glutão,

Sem fazer nenhuma ação

Pra acabar com a fome alheia.

 

Minha barriga está cheia,

Minha cara está feia,

Em perigo, o coração

E eu não gasto um tostão

Pra acabar com a fome alheia.

 

Ainda tem na sobremesa,

Uma calórica guloseima,

Por pura satisfação.

E eu não movo uma mão,

Não divido um só pão

Pra acabar com a fome alheia.

 

 

MERO SENTIMENTO

 

Não é preciso ser eterno

Para saber o quanto é certo

Que o amor não dura para sempre.

Basta viver e simplesmente

Consigo mesmo, ser sincero.

O amor, se jovem, é um inferno

Pela paixão inconsequente.

Com o tempo, torna-se paciente,

Tão consciente de que é sério.

Seja antigo ou moderno,

O amor é mero sentimento

Que não tem nada de mistério.

 

 

 

 

 

 

 

ATÉ DE MADRUGADINHA

 

Ouvi uma cantilena tão distante,

Que pensei por um instante,

Que era só impressão minha,

Uma estranha e sinistra ladainha

Qual o vento à tardinha

No mirante.

Senti na pele, um frio arrepiante

E ainda hesitante

Eu desci para a cozinha.

Havia uma xícara quentinha

De um café aconchegante.

Dessa hora por diante,

O silêncio foi reinante

Até de madrugadinha.

 

 

MUNDO REAL

 

O meu mundo de pele, ossos, cabelos e vísceras 

Parece ser mais fantástico

Do que esse mundo mágico

Onde querubins alados

Sobrevoam vidas míseras.

 

 

COMO NUM RIACHO RASO

 

Eu morrerei de abraços

Com minha própria sorte.

Não por que seja forte,

Nem por que seja bravo;

Mas por saber de fato

Que um dia a gente morre

E que a vida se escorre

Como num riacho raso,

Um peixe que por acaso,

A uma isca morde;

Enquanto um ovo eclode

Tão próximo, à sua margem.

 

 

LUZ E MAGIA

 

Quando vejo você,

Principia o nascer

De um novo dia,

É tão grande a alegria

Que acho que vou morrer.

Não morrer realmente,

Mas como a fantasia

De que ainda haveria

Um lugar diferente

Pra que eternamente,

Nós pudéssemos viver.

 

Quando vejo você,

Vejo luza e magia.

 

 

QUANDO MORTA

 

Quando estiver morta,

Já não mais importa

Onde você esteja,

Se numa igreja

Ou na zona, exposta.

 

 

SORRISO PÁLIDO

 

Vivo da saciedade

Das vontades e dos vícios.

Sou submisso

À realidade

Na qual vivo.

Sou tão omisso

Quanto a sociedade

Que me põe sempre à margem

Dos seus riscos.

Assim, revido

Com um sorriso

Pálido como minha própria imagem.

 

 

NA ILUSÃO DE LIBERDADE

 

Eu fugi de casa

Num bater de asas,

Na ilusão de liberdade.

Presa da necessidade,

Não passo de escrava

De uma vida apática

E de infidelidade.

Hoje, o peso da idade

E a responsabilidade

Não me permitem voar.

Sou um mero exemplar

De uma coleção selada.

Sou uma mulher casada

Que tem medo de arriscar.

 

 

APÓS ANOS DE PRISÃO

 

Corro de mãos dadas com minha mãe,

De pés descalços

Para os braços

De meu pai

Que hoje sai,

Após anos de prisão.

Ele, tão estranho à emoção,

Não atende ao meu apelo,

Não é o mesmo

Que encontrava no portão.

Tem a cicatriz e o cordão

Por sobre o peito,

Mas tão sem jeito,

Ele beija a minha mão,

Que sua bênção

Mais parece um aperto,

Um acordo a pouco feito,

Uma negociação.

 

 

 

 

 

O INFERNO EXISTE

 

Uma coisa é certa,

O inferno existe,

É viver na miséria,

Onde a fome exagera,

Depois desiste.

Fica um olhar triste

E a morte a espera.

 

 

SONETO DO FIM PRÓXIMO

 

Devo dizer adeus

Ou apenas até logo?

Meu amor, eu já não choro,

Nem imploro por um deus.

 

Todos os sonhos são meus

Por serem seus, os remorsos.

Eu finjo que me esforço,

E você, que me perdeu.

 

Tudo que se prometeu

Não passou de um negócio

Onde um dos sócios, fui eu.

 

Todo o mundo percebeu

Que o fim estava próximo

E o óbvio aconteceu.

 

 

ARTESANATO

 

Olho os objetos dispersos na prateleira.

Foram esculpidos na madeira,

Retocados com fino verniz.

Vejo o artesão sorri feliz

Com ar de tristeza,

Por ter certeza

Que o cliente não os quis.

 

 

VAI ALÉM

 

Sabe que vai morrer

E/ou matar alguém,

Mesmo assim, teima em beber

E a dirigir também.

A lei finge que está bem

E ele nem tenta entender.

O direito de viver

Na verdade não se tem.

O interesse é de quem?

De ninguém.

É o que se ver.

Seja eu, ele ou você,

Nada vai acontecer

Se atropelarmos alguém. 

Ao escapar, diz amém

Por não ter que responder

Pela morte de outrem.

E impune vai além,

Pois ainda insiste dizer:

Tinha de acontecer,

Não é culpa de ninguém.

 

 

INSÍPIDAS PALAVRAS

 

Na reclusão do meu silêncio,

Eu desabafo minhas mágoas.

Não entre lágrimas,

Mas escrevendo

As mais insípidas palavras.

A minha voz não é amarga

E jamais fala:

Estou morrendo.

Mesmo coberta de veneno,

Ela se cala.

 

 

 

 

 

 

NO ESPELHO DOS REMORSOS

 

Eu desconheço o meu ódio

E desvaneço em meu medo.

A minha trama é enredo

Do desapego e do ócio.

 

Eu sempre faço o que posso

Para rever com acertos,

O reflexo dos meus erros

No espelho dos remorsos.

 

E cada dia, me esforço

Para manter meus segredos

Que são os mesmos que vejo

Ocultos aos rostos alheios,

Dentro de seus próprios olhos.

 

 

ACOSTUMADO A SONHAR

 

Estou tão acostumado a sonhar

Que a realidade me parece fantasia,

Onde as horas que deveriam ser vazias

São preenchidas com o meu pestanejar.

Os meus olhos se acostumam devagar,

Com o sol que faz raiar o novo dia,

Onde os sonhos se misturam à própria vida,

Onde a vida não me deixa acordar.

 

 

LÍDER SANTO

 

O líder santo se faz

Entre sinais e bandeiras.

O líder santo se esgueira

Entre a guerra e a paz.

Por ser covarde demais,

Ele se deixa

Viver a vida inteira

Sobre a morte dos demais.

 

 

ERUPÇÃO

 

Tenho a impressão maravilhosa,

Que o mundo se acorda

Com o meu jocoso grito,

Um vulcão há muito tempo adormecido

Que acorda numa ejaculação.

Larvas que fecundam um coração,

Se espalham em sua fenda, um precipício.

De joelhos, sou um homem submisso,

Um fiel em sua extrema devoção,

Com os olhos que pedem por perdão

Pela falsa ilusão de ter sofrido.

 

 

SONETO REPRIMIDO

 

Meu entusiasmo pela vida

É uma típica inversão de sentimentos,

Ante os severos pensamentos

De uma mente fraca e deprimida.

 

Tenho a razão comprometida

Por ser desprovida de bom senso.

Com o meu sorriso, eu compenso

Toda a amargura reprimida.

 

Falo pouco, pela voz contida.

Não entenderiam meus tormentos,

Nem aceitariam minhas cismas.

 

Minhas intenções são percebidas

Pelas alegrias de momentos

E as tristezas introspectivas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O AMOR DE MINHA VIDA

 

O seu ciúme me envaidece,

Ao mesmo tempo, me enlouquece

Por sua boca contorcida.

A sua cara enfurecida

Por essa raiva que expele,

Tanto me fere

Como a deixa entristecida.

Talvez, por se sentir traída,

Se afastar de mim, prefere.

Mas, sinto falta de sua pele

E peço que não se exaspere,

Você é o amor de minha vida.

 

 

ENCENAÇÃO

 

Eu poderia desenhar-te com palavras.

Em poucas falas,

Deslumbrar-me com a visão.

Tanta paixão

Em cada estrofe declamada

Que em meio às lágrimas,

Encerraria a encenação.

 

 

A CÉU ABERTO

 

Na solidão me despeço.

Não há regresso aonde vou.

Meu voo é a céu aberto,

Sobre um deserto sem cor.

Tão certo disso estou,

Que no calor me disperso,

Incerto, ao dissabor

Do vento, ao tempo me entrego,

Como me entrego ao amor.

 

 

 

 

 

A TIMIDEZ DOS SEUS REMORSOS

 

Pobres os meus olhos

Que se perdem ansiosos

À procura de revê-la

E que são presas

Dos seus olhos receosos.

 

Os seus lábios grossos,

Minha boca ainda deseja,

Enquanto aceita

A timidez dos seus remorsos.

 

Na ilusão que posso

Esquecê-la,

Fecho os meus olhos,

E você me beija.

 

 

UM BEIJO APENAS

 

Eu estava com você em um cinema.

Em uma cena,

Apertei a sua mão.

Quanta emoção

Dispersada em luz serena.

Um beijo apenas,

Nos tirou da escuridão.

 

 

TRADIÇÃO

 

Devo negar a minha convicção

Desde a concepção

Até o altar?

Nasci num lar,

Onde a única obrigação

Era uma tradição:

Somente amar.

 

 

 

 

MIRAGEM

 

O sonho nasce na vontade

Que o desejo se torne real.

Sendo tal qual

Uma miragem,

Onde a necessidade

Cria uma imagem

Irreal.

 

 

A AMANTE PERFEITA

 

Eu a vejo tão linda,

E mais ainda,

Eu a vejo perfeita.

Seu sorriso me aceita.

Com as mãos, me aninha.

Você não é só minha,

Mas sozinha,

Me abraça e me beija.

Você também deseja,

Mais que minha eleita,

Ser a minha rainha.

 

 

INVENÇÃO

 

Vivo repetindo a mesma história

Pela falta de memória

Ou por reafirmação.

Talvez, seja simples ilusão

De uma mente que explora

Sua própria imaginação.

 

Repetir-se é minha intenção,

Chamar a atenção

De quem me esnoba.

Personagem vivo que outrora,

Foi suposta

Invenção.

 

 

ELA É UM ANJO MALVADO

 

Ela me quer o quanto a quero.

Sempre a espero com euforia.

Tanta magia quanto mistério.

Amor eterno, ela diria.

Me salvaria do meu inferno.

A céu aberto, me guiaria.

Tanto faria o que é certo,

Quanto decerto, me condenaria.

 

 

OS DIAS DE HOJE

 

Como antigamente,

Os dias de hoje, não são tão diferentes.

Tem pressa, são urgentes,

E de pouca atenção.

A mesma ilusão

De que são para sempre.

Tão displicentes

À sua própria condição,

Os dias de hoje são

Continuadamente,

A nossa representação.

 

 

A NOSSA HISTÓRIA

 

Tenho que ir agora, minha senhora,

Antes que alguém me veja.

Enquanto a gente se beija e se deseja,

Seu consorte está lá fora.

Eu sei que ao ir embora,

Só nos restará tristeza.

Porém, pode ter certeza

Que temos a vida inteira

Pra viver a nossa história.

 

 

 

 

 

ENTREGUES AO ARDOR DA PAIXÃO

 

Lábios se comprimem ansiosos de desejo.

Turbilhão de medo e de receio.

Cada coração em si inteiro.

O amor verdadeiro,

Não requer condição.

Apertam-se as mãos,

Comprimem-se os seios.

Abraços e beijos,

Tanta emoção.

Nunca se diz não

Aos seus apelos.

Entregues, alheios,

Ao ardor da paixão.

 

 

RECOMPENSADO

 

Sinto tanto a sua falta

Que chego a me aborrecer.

Como poderei viver

Sem ter você ao meu lado?

Sendo tolo, abandonado,

Sem legado, sem prazer,

Ainda insisto em lhe ver,

Sou enfim, recompensado.

Você não será passado,

Meu futuro esperado,

No presente, acontecer.

 

 

ADMIRAÇÃO

 

Vejo em cada gesto seu, consentimento.

Chego a ler seu pensamento

Me pedindo atenção.

Quando toco em sua mão,

Acredito estar vendo

Seu mais íntimo sentimento,

Sua admiração.

 

 

DESCULPA DESCABIDA

 

Chega de acreditar que a vida

Ainda pode ser melhor que isso,

Folga ou compromisso,

Descanso ou lida.

Pode ser uma dádiva merecida,

Pode ser o mais cruel castigo,

Nós só precisamos de um motivo

Para uma desculpa descabida.

 

 

A FUMAÇA

 

Vejo a redenção de minha alma,

Não em orações diárias,

Mas no livre pensamento.

Só há tormento

Numa mente alienada.

Não alcanço graça

Por merecimento.

O meu alento

É trabalhar pra ter a cota necessária.

Pedir migalhas

Com o mero fingimento

De que vale o esquecimento

Da quantidade desejada

É uma farsa

Ao seu arrependimento.

Não perco tempo

Em anunciar desgraça.

Não vejo graça

Em infligir sofrimento.

Espero o vento

Dissipar essa fumaça

Que os afasta

Da razão e do bom senso.

 

 

 

 

 

 

COLCHÃO DE MOLA

 

Só a você eu digo

O que sinto agora.

Só você transforma

O meu choro em riso.

Qual seguro abrigo

Que a um mendigo

Aquece e acomoda,

Você me conforta

E me põe tranquilo.

Corpo adormecido

Num colchão de mola.

A mão suave toca

O filho protegido

Que surpreendido,

Assustado, acorda.

 

 

O PODER DA VONTADE

 

Você fala da morte

Como quem quer morrer.

Parece ter prazer

Em desejar tal sorte.

Não se sente tão forte

Para sobreviver,

Mas consegue vencer

Toda a dor que o comove.

Você sempre resolve

O que deve fazer.

Na hora de se erguer,

Você nega que pode.

Não demonstra que sofre,

Apesar de doer.

Desconhece o poder

Que a vontade promove.

 

 

 

 

 

 

VERDES ANOS

 

Eu me assombro

Quando vejo os escombros

De minha velha cidade.

Sinto tanta saudade

Que vivencio a idade

Que tinha em meus verdes anos.

Jamais fazíamos planos,

Pura impetuosidade.

Alegria e liberdade,

Frutos de um fim de ano.

Não me perguntava quando,

Nem qual a necessidade.

Percebia a mocidade

Que vinha se aproximando.

De repente, fui raspando

Do rosto, a ingenuidade.

Era a minha puberdade,

Explodiam os hormônios.

Entre êxtase e desânimo,

Chego à maioridade.

Pouco mudo, na verdade,

Mas vou me encontrando.

Eis que chega o matrimônio.

Depois, a natalidade.

Vejo a realidade,

De uma forma que me espanto.

Ante meus cabelos brancos

E o peso da idade,

Reconheço que saudade

É o maior dos desenganos.

 

 

IMERECIDA

 

Faço parte de tua vida,

Sem poder te alcançar.

Serei lágrima esquecida

Que apesar de imerecida,

O tempo irá enxugar.

 

 

A MEROS ANIMAIS

 

Deveríamos amar mais

E desejarmos menos.

Mas, o mundo em que vivemos

Nos desfaz

Os próprios sentimentos,

Nos torna mais carnais,

Venais e violentos.

Soberbos racionais

Que estão perdendo

O seu discernimento,

Regressam pelo tempo,

A meros animais.

 

 

A IMAGEM

 

Às vezes, tenho vontade

De lhe dizer quem eu sou:

Um homem de meia idade

Que ainda arde

De amor,

Que esquece o valor

Da amizade,

Que vê na liberdade,

Ausência de pudor.

Entregue ao torpor

Da sacanagem,

Se esconde na imagem

De um simples professor.

 

 

NOS BEIJOS DE MINHA AMADA

 

Sinto que nada me falta

Nos beijos de minha amada,

Sonho, mágica e fantasia.

Mas a realidade fria,

Na razão do dia a dia,

Cruelmente nos afasta.

 

 

MULHER DEVASSA

 

Eu comparo minha vida

A uma mulher devassa

Que fingida, me abraça.

Excitada e despida,

Tão alheia, entretida

Com o próprio pensamento,

Logo após o pagamento,

Não há sequer despedida.

Parece desprotegida,

Mas é puro fingimento.

Tão seca de sentimento,

Transborda de tirania.

Seja noite, seja dia,

Não importa o momento,

Prova que há ressentimento

Ao causar-me sofrimento

Oculto em sua alegria.

 

 

ÚNICA CHANCE

 

Não se importe se o seu sangue

É de seu pai com sua mãe

Ou mesmo de um rosto sem nome

Com uma puta que ainda se expõe.

 

Sua educação compõe,

Junto ao seu sobrenome,

Um caráter de bom homem

Que a origem não impõe.

 

Só sua família repõe

A segurança que some

Com o abandono que come

Toda sua conformação.

E somente a adoção

É sua única chance

De não morrer como infame

Na tristeza e solidão.

 

 

QUINQUILHARIAS

 

Entre quinquilharias,

Reavivo alegrias do passado.

Um menino levado,

Que é deixado à mercê da fantasia.

Entre suas manias,

Um lençol desbotado

Que a um pequeno cenário, encobria.

Uma gaiola vazia,

Onde um dia, cantara um canário.

Um boneco, um soldado,

De lutar, já cansado, jazia.

Um cordão se estendia

Pelo chão empoeirado,

Onde um pião quebrado,

Já não mais rodopia.

 

 

A BÊNÇÃO

 

Uma bênção com a mão

Que esvazia o meu bolso.

Com enorme alvoroço,

Benzia-me, um ladrão.

Com alarde e comoção,

Repetia: Deus eu ouço,

O que pedes a esse moço,

É pra sua salvação.

Ao chamar-me de irmão,

Fitava o meu desgosto

Sem fazer nenhum esforço

Pra ocultar sua intenção.

Exigindo devoção

E extrema adoração,

Mais parecia um louco,

Enquanto extorquia o pouco

Que restava para o pão.

 

 

 

 

 

O SOLTEIRO

 

Eu aprendi a andar

Sem rumo e sem compromisso.

E vai ser muito difícil

Se eu tiver que mudar.

Como irei me acostumar

A ser marido,

Um solteiro envaidecido

Por jamais se apaixonar?

 

 

MULHER DE PODER

 

Procuro seguir em frente,

Continuar a minha vida.

Mas não vejo uma saída

Com você estando ausente.

 

Eu me sinto indiferente

Ao mundo que me cerca.

Esse mal que me infecta

É o amor que também sente.

 

Você age diferente,

É constante e segura.

Eu sofrendo a amargura

De um louco inconsequente.

 

Sei que guardarei para sempre

O seu rosto sorridente,

O gosto que está presente

No hálito de sua boca.

 

Ouvirei sua voz rouca

Me chamando sensualmente.

Sentirei seu corpo quente,

Seu perfume eternamente

Exalar de minha roupa.

 

 

 

 

CEGOS DE AMOR

 

Não tenho olhos pra ninguém, 

Pois estou cego por você.

Fecho os meus olhos e consigo ver

Seu rosto, a me olhar também.

 

Sei que lhe quero tanto bem

Que sou capaz de compreender

Que é impossível ter você, 

Posto viver com outro alguém.

 

É doloroso seu desdém,

Divide a vida com você

E não consegue perceber 

A imensa dádiva que tem.

 

O meu conforto é que ninguém

Pode mandar no bem querer.

Em nosso amor, eu e você,

Mesmo que não possamos ver,

Iremos muito mais além.

 

 

MERA GRATIDÃO

 

Onde estão o ardor e a paixão

De tão duradoura relação?

Foram levados pelo tempo.

E todo aquele encantamento,

Tornou-se mera gratidão.

Somos escravos da união,

Do casamento.

Fizemos falso juramento

Sob os dogmas da mistificação.

Ante o calor da emoção

Do festejado momento,

Caímos no esquecimento

De que amar é um sentimento

E não depende da razão.

 

 

 

SONETO AO AMOR TARDIO

 

Ver você é uma dádiva da vida,

Uma gota merecida de silêncio,

Uma brisa em um dia de mal tempo,

O reconhecimento que há forças atrativas.

 

Sua pele exala o cheiro de orquídeas

Que dispersa todo o meu ressentimento.

Seu sorriso é o mais doce passatempo

Que acalenta minha noite mal dormida.

 

Sua voz é tal uma canção antiga

Que exalta o amor sem fingimento,

Sem apelo ao exagero e à malícia.

 

Sua boca é uma masmorra de delícias,

Onde eu perdi o meu discernimento

E entreguei-me como à morte, o suicida.

 

 

OBSTINAÇÃO DE CONDENADO

 

Tenho a obstinação de condenado

Pra fugir de minha cela,

Mesmo que incerta,

Minha fuga da prisão.

Tenho sempre a sensação

Que minha meta

É a correta,

É a única salvação.

Minha pretensão,

Se descoberta,

Que não impeça

Minha própria execução.

 

 

 

 

 

 

 

 

O CONSELHO DO SOBRADO

 

Nos degraus, eu pareço cansado

Por está submisso ao sobrado

Que me deixa isolado em meu mundo.

Nas paredes do quarto, o meu túmulo,

Um sarcófago imundo e macabro.

Não consigo alcançar o telhado

Que me olha de um jeito amargo

E profundo,

Como ousasse falar: Vagabundo,

Vai à rua procurar trabalho,

Vê se deixa essa vida sem rumo.

 

 

CONFUSA

 

Minha cabeça é confusa.

Mas não tem culpa,

É sadia.

Quase nunca está vazia.

Quando cheia, se exulta.

Se fundir a minha cuca,

Não vai ser por teimosia,

Porém, pura rebeldia

De uma mente obtusa.

Se uma falha a acusa,

Talvez seja apatia.

A si mesma, elogia,

Se gabando de astuta.

É em si, tão resoluta

Que se torna absoluta

Em sua própria fantasia.

 

 

ESCONDIDO

 

O amor em nós escondido

É um misto de risco e pesar.

E por mais que tentemos feri-lo,

Ele teima em se recuperar.

 

 

ANTE O PASSAR DOS ANOS

 

Quando nos apaixonamos,

Eu dizia: eu te amo,

Toda hora, todo dia.

Nossa casa se enchia

De eu te amo.

Mas o tempo foi passando,

O eu te amo sussurrando,

Pouco a pouco mal se ouvia.

O que a gente não sabia

Era que se calaria

Ante o passar dos anos.

Não por nossos desenganos,

Nem pela monotonia.

Mas por simples agonia,

Silencia,

Sem que nós nos percebamos.

 

 

SONETO AO AMOR ILEGÍTIMO

 

Espero que você nunca me esqueça,

Mesmo que tudo pareça acabado.

A vida pode ter nos reservado

A mais lúgubre surpresa.

 

No escuro, uma única chama acesa,

Pode nos guiar ao claro.

Não deixe nosso amor para o passado,

À mercê de sua própria natureza.

 

Um sentimento filho da incerteza,

Concebido ao acaso,

Destinado à tristeza,

 

Na sua condição de estranheza,

De ilegítimo, é condenado

A ser sacrificado pela mesma.

 

 

 

 

ANTES DO NOVO ALVORECER

 

A noite vem,

Tudo parece adormecer.

Procuro ver

Além do sono e do sonhar.

Tento encontrar,

Antes do novo alvorecer,

Não só você

Que é todo o meu bem querer,

A paz de ser,

Meu existir e me encantar.

 

 

Janelas abertas

 

Abro as janelas

E olho a rua, a espera

De todas elas:

A clara, a brisa e a bela.

 

O sol desperta,

Sua claridade me embriaga.

O vento afaga

Suavemente, a minha testa.

É primavera,

Vejo a beleza que se espalha.

Orvalho, lágrimas

De uma noite sem reservas.

 

Você se entrega

E diz que está apaixonada.

Então, se cala.

Aí meu silêncio me revela.

Ficam as janelas

Ainda abertas,

Boquiabertas e encantadas.

 

 

 

 

 

 

O CAJUEIRO

 

O cajueiro se movimenta

Com o vento que inventa

Que ele é capaz de andar

E que pode até falar.

A ventania que aumenta,

Como uma voz rouca, agourenta,

Tenta

Inutilmente me assombrar.

Folhas, galhos e o ar,

Uma orquestra barulhenta

Que à minha mente, atenta,

E me faz imaginar.

 

 

ARROGÂNCIA 

 

Bater no peito para arrotar a minha arrogância,

Mede a distância

Que há entre eu e você.

Se não tenho nada a oferecer,

Nem amor, nem piedade, nem esperança,

Mostra que além de minha infância,

Perdi as únicas razões de se viver.

Amargo minhas horas de prazer

Na solidão de sombrias lembranças.

Desconheço minha própria ignorância. 

Com relutância,

Continuo sem me ver.

 

 

BIS

 

Quero saber a verdade

Em troca da minha vontade

De um dia ser feliz.

Se você não é quem diz,

Use de sinceridade.

Com lealdade,

Ainda poderá ter bis.

 

 

ENTRE CHIPS MODERNOS

 

Nossos corpos querem sempre estar

Um no outro.

É tão pouco

Que é difícil aceitar.

Mas o amor tende a contornar

Obstáculos diversos.

Sendo assim, entre chips modernos,

Pela voz, nosso amor é eterno,

E ninguém pode nos separar.

 

 

AS RUAS                                                                     

 

As ruas são tomadas

Por passadas ligeiras

Que de qualquer maneira

Querem chegar em casa.

Há tantas ruas largas

Quanto há também estreitas;

Umas escuras, feias,

Outras iluminadas.

São muitas as paradas,

Calçadas e bueiras.

Cruzam a cidade inteira,

Compelem à caminhada.

Ouvem as nossas falas

Em vozes passageiras,

Dispersas na poeira,

Dormem silenciadas.

 

 

O VERDADEIRO DOM DA RAZÃO

 

Sustento em minhas mãos,

Todo o meu peso,

Dependurado em minha própria opinião.

E tenho a sensação ante o espelho,

De que balança em meus cabelos,

O verdadeiro dom da razão.

 

 

NO CORAÇÃO DE MEU PRÓXIMO

 

Todas as vezes que eu choro,

Lembro que há um caminho,

Que não estamos sozinhos,

Paro, e enxugo meus olhos.

 

Sei que se luto, eu posso.

Sou livre tal passarinho

E busco meu próprio ninho

No coração de meu próximo.

 

Se  for difícil, me esforço.

Meu argumento é o carinho.

Meu contratempo, o remorso.

 

 

ENTRE A CURA E A FERIDA

 

Paciência e teimosia

Me arrastam noite e dia,

A manter o nosso amor.

Não consigo mais me opor,

Nem manter a rebeldia.

Estou preso entre fantasia e dor.

 

Que enorme dissabor

Tem minha vida,

Continua dividida

Entre a cura e a ferida,

Condoída

Com seu próprio estertor.

 

 

OS MEUS MOTIVOS

 

Devo esclarecer os meus motivos,

Não por alívio,

Tão somente alegação.

Sustento sempre a mesma opinião,

Nunca duvido de minha convicção.

 

 

LAMENTO

 

Ela vai me esquecer

Com o passar do tempo,

Qual um leve movimento

Que acabamos de fazer.

Ela nem vai perceber

Que já não está sofrendo.

E só lamento

Não estar aqui pra ver.

 

 

O DIA DE AMANHÃ

 

Espero o dia de amanhã com tanta ânsia

Que a minha mão quase alcança o tocar.

Eu não me canso de esperar,

Qual a criança

Que tem a tola esperança 

De que papai-noel virá.

Eu tenho tanto pra lhe dar

Que a espera não me cansa.

A trago presa na lembrança,

Que sou capaz de a inventar.

Em meio à solidão que há

Pela distância,

Aperta o nó da insegurança,

A sufocar.

 

 

ALÉM DE MINHA JANELA

 

O que há lá fora, além de minha janela,

Um mundo vivo à espera

De um iminente cataclismo

Num exagerado fatalismo

De quem o despreza

Ou apenas o planeta terra

Com todo o evolucionismo?

Cá dentro, apenas o poeta

Em seu insondável abismo.

 

 

O MILHARAL

 

Para que conspiração e ilusão,

Mistificação do bem, do mal,

Se o mundo é tão real

Em sua própria dimensão?

Já que o sobrenatural

Não nos dar explicação,

Formulemos a questão

No contexto natural.

Se não achamos normal,

Questionamos a razão,

Damos nossa opinião

De uma maneira tal

Que o ideal,

Fruto da imaginação,

Não nos prova um só grão

Desse enorme milharal.

 

 

AMARGA REALIDADE

 

O que eu procuro na verdade,

É uma mentira confortante.

Contudo, encontro a todo instante,

A mais amarga realidade.

 

Em troca de afabilidade,

Uma brutalidade incessante. 

Abro os meus olhos, confiante,

Enxergo desonestidade.

 

Onde eu planto liberdade,

Brota num ramo dominante,

Uma enorme flor de sujidade.

 

Diante da vulgaridade

De tudo o quanto é importante,

Ainda mantenho a integridade.

 

 

 

 

PERTINAZ PECADOR

 

Eu era um menino levado

Que acreditava em pecado

E temia o Senhor

Mais do que o próprio diabo.

Satã era o servo macabro,

Um cão com enorme furor.

Mas para seu dissabor,

Era por deus controlado.

Ninguém pode ser tocado

Sem ordens do salvador.

Era grande o meu pavor,

Quando ouvia tal ditado.

Por ser insubordinado,

Antevia o resultado:

Satanás acorrentado,

Sendo por deus libertado

Para punir o culpado,

Eu, um pertinaz pecador.

 

 

PONTO CRÍTICO

 

Entre métricas, me perco pensativo.

Ponto crítico, a escolha da palavra.

Voo sem asa, a procura de abrigo.

Sou cativo de uma forma abstrata. 

 

Minha alma não revela meu conflito.

Mesmo aflito, ainda simulo que há calma.

Quando a palma absorve o meu grito,

Não êxito, e a mão num rito, grafa.

 

Nunca passa a ilusão de infinito.

É um mito a sentença acertada.

Onde a lágrima espelha o sorriso,

Só nos resta o delírio

Como a última cartada.

 

 

 

 

RAPOSA EM GALINHEIRO

 

Afeito aos malfeitos e defeitos,

Assim, me deito para dormir,

Sem nada que possa intervir.

Essa é a visão do eleito.

 

Se for para seu proveito,

Tem direito de extorquir.

A lei não pode punir 

Tão honesto e bom sujeito.

 

O que o eleitor tem feito,

A não ser se repetir,

Pondo raposa em galinheiro?

 

Para o povo brasileiro,

Resta por para assumir,

Um cachorro insatisfeito.

 

 

UM FELIZARDO

 

Quando ainda era um garoto,

Não olhei para os dois lados,

Quase fui atropelado,

Talvez, estivesse morto.

 

Observo o próprio rosto

No espelho emoldurado.

Vejo o quanto estou mudado,

O passado é meu conforto.

 

Permaneço absorto

No evento do acaso,

Quantas vezes fui poupado!?

 

Tendo a morte, me deixado

À mercê do mundo torto,

Eu me sinto um felizardo.

 

 

 

O RELOJOEIRO

 

Não tenho tempo,

E nem tento

Encontrar tempo pro ócio.

Eu faço tudo que posso,

Para ocupar meu talento

Que até esse momento,

É consertar meus relógios.

 

 

NÃO SOU O MELHOR EXEMPLAR

 

Não posso me queixar da vida.

Pois tenho casa, tenho comida,

Tenho um salário que me obriga

No dia a dia, a trabalhar.

Não sou o melhor exemplar,

Apesar, de não dever nada à justiça.

Não creio em Deus, não vou à missa,

Não faço parte de torcida,

Não tenho o gosto popular.

Não tenho o hábito de fumar.

Também não consumo bebida.

Jogar, nem mesmo uma partida.

E ir a festas, nem pensar.

Não sou afeito a chorar,

Nem mesmo em trágica despedida;

Pois tudo aquilo que me intriga,

Eu tento racionalizar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VEREDA MACABRA

 

Ando numa estrada sombria,

Onde há árvores desfolhadas

E o sol por entre galhas,

Mal consegue clareá-la,

E servir-me como guia.

 

Essa dor, essa agonia,

Essa vereda macabra,

Não devolve minha amada,

Nem a demove das mágoas

Que me arrojam nessa via.

 

Ah, amor, que bom seria,

Eu nessa senda, encontrá-la!

Acalmaria a minh’alma

Com as mais doces palavras

Que sua boca me diria.

 

Eis que a realidade fria

É a trilha solitária,

Onde a noite é assombrada

Pela parca escaveirada

Que acicata o suicida.

 

 

LEMBRANÇAS APAGADAS

 

A cada dia que passa,

Se vai um pouco de mim.

E quando chegar meu fim,

A vida feito fumaça

Dispersada pelo vento,

Vai se perder pelo tempo,

Em lembranças apagadas.

 

Minha lápide empoeirada,

Relegada ao relento,

Mostrará o desprendimento

Com a minha mortuária.   

 

 

DE UMA FORMA OU DE OUTRA

 

Aos que me pedem silêncio,

De uma forma ou de outra,

Eu calo a minha boca,

Mas continuo tecendo

Ideias que vou moendo

Em minha cabeça louca.

 

Mesmo a voz ficando rouca,

Conversar me entusiasma.

Quando todos dizem basta,

Nem mais uma só palavra,

Acho que a palra foi pouca.

 

Eis que a letra me acoita.

Então, prossigo escrevendo.

Dessa forma, vou mantendo

Um colóquio envolvendo

Uma única pessoa.

 

 

LUZ DO SOL NASCENTE

 

Desejo vê-la novamente

Como a luz do sol nascente

A iluminar meu dia,

A encher-me de ousadia

E de atos imprudentes.

Os seus beijos são urgentes

E essa pressa me alicia.

Sua voz serve de guia

Ao meu coração descrente.

Amo tão perdidamente

Que daria a minha vida

Para tê-la inibida

Por despir-se em minha frente.

Sonho com seu colo ardente

Com tamanha impudicícia

Que me acanha a malícia

De sonhar tão vulgarmente.

 

 

ENLACE AMOROSO

 

Como foi maravilhoso       

Vê-la de pé no portão

Com a mais linda expressão

Que só vejo em seu rosto.

 

Seu sorriso afetuoso,

Foi uma confirmação  

De que a sua paixão

É o meu maior conforto.

 

Nosso enlace amoroso

Defronta a proibição

Com medo de ser exposto.

 

Meu amor, ainda sofro

Com essa separação

Que impomos um ao outro.

 

 

O FALCÃO E A FADA

 

Amo você. Isso me basta.

Seu amor me dá as asas

Alinhadas de um falcão.

Com afinco e exatidão,

Eu vou à caça,

Sobrevoo a sua casa

Com extrema prontidão.

Você me estende a mão,

O meu coração dispara,

Eu revelo minhas garras

E pouso com exultação.

Tanta paixão

Entre um falcão e uma fada,

Acaba em lágrimas,

A espera de uma mágica

Transformação.

 

 

 

 

EU, BEIJA-FLOR

 

Como é bom beijar-lhe, amor,

Num longo e terno abraço.

Um aperto, um nó, um laço

Que amarra a minha dor.

 

Vulnerável em sua flor,

Tão entregue ao cansaço,

Alheado, no espaço,

Cai por terra, eu, beija-flor.

 

Minha pluma aviva a cor

Quando novamente avoaço

E pairo ante o seu albor.

 

Sem temer o empalhador,

Eu procuro o seu regaço,

Com agraço e ardor.

 

 

AMOR COBIÇADO

 

Nesse mundo tudo é mitificado.

Sua boca tem o hálito perfumado da manhã,

Sua voz é como o sopro de um titã,

E eu, apenas mais um grego extasiado.

 

Os seus olhos tem a fome do pecado.

Os seus lábios tem o gosto da maçã

Que a Eva recebeu do anjo satã,

E eu, um ávido judeu apaixonado.

 

Sou somente um nativo enciumado

Aos pés de minha deidade pagã,

Seduzido pelo místico talismã,

Sacrifico-me no afã

De teu amor cobiçado.

 

 

 

 

 

UMECTADA

 

Se estou em seu sonho sensual

E acorda umectada,

Não se sinta envergonhada,

É uma ação consensual.

Não há nada de imoral

Em ser amada

De uma forma tão velada

E virginal.

 

 

QUADRAGENÁRIO

 

Que dia mais estranho.

Talvez por ser mais um ano sobre meus ombros,

O mesmo que antanho ansiava com exultação,

Não passa de um vão em meu âmago.

Não tenho ânimo para comemoração.

Em cada aperto de mão, sinto-me anônimo,

Um tragicômico sem nenhuma pretensão.

Sob a felicitação, não me acanho

Por ser tacanho, esse dia de ilusão.

Sendo mera tradição de um breve sonho,

Não me disponho a servir-me de atenção.

 

 

OLHOS DE SUTIL CASTANHO

 

Os teus olhos me pedem tanto

O quanto eu não posso dar.

Eles teimam em me chamar

E eu parado, não respondo.

Olhos de sutil castanho,

Que me arrastam para um mar

Onde afogam meu pesar,

Minha sofreguidão de quando

Poderei me entregar

A tão inacessível sonho.

 

 

 

 

LAÇO FAMILIAR

 

Meu laço familiar

Prende-me com tanto ardor

Que nem mesmo seu amor

Consegue me libertar.

 

Não consegue abdicar,

Esse velho coração,

Da tamanha devoção

Pelo seu lar, doce lar.

 

Se você não pode entrar

E eu não consigo sair,

Como poderei sorrir

Se não paro de chorar?

 

 

A REALIDADE É OUTRA

 

Vê a minha turgidez

Ao despir a sua roupa.

Pouco a pouco, se afoita

Ante a nossa avidez. 

Em um tom de languidez, 

Sua voz rouca,

Novamente me acoita

Nessa doce embriaguez.

 

Foi-se a tarde em palidez.

O vento açoita

O telhado que enoita

Sobre minha tepidez.

 

Amanheço à procura de sua boca,

Tenho uma vontade louca

De beijá-la outra vez.

O sonho se desfez,

Nossa cópula foi pouca.

A realidade é outra

Sem a sua candidez.

 

 

SONETO À PEQUENA VITÓRIA  

 

Tanta pureza iluminada ao seu  sorriso

Num improviso de palavras mal faladas.

Desprende o choro sem o mínimo motivo,

Em soluços sem ter lágrimas. 

 

Os seus passinhos que se perdem pela casa,

Deixam pra trás os mimos de minha anuência.

Em cada gesto, soa desobediência.

Com resistência, aos poucos cede e se acalma.

 

Abandonado à mercê do alheamento,

Voo sem asas, através de seus momentos,

Livre do tempo das horas cronometradas.

 

Tão encantado, digo o que estou vivendo.

Na ilusão de que está compreendendo,

Com as mãos na boca, solta lindas gargalhadas.

 

 

SORUMBÁTICO 

 

Ante o cárcere que é esse amor desesperado,

Sou devotado ao silêncio e a dor.

Tento me opor,

Contudo, permaneço apático,

Tão sorumbático

Quanto o próprio dissabor.

 

Resignado ao desejo opressor 

De um coração pacóvio e alucinado,

Aceito ser escravizado por temor

De ver meu sonho proditor

Ser dissipado

E eu deixado à mercê do desamor.

 

Entre o motejo de um escarnecedor

E o torpor de ter um vício abandonado,  

Prefiro ser subjugado a esse amor.

 

 

 

ALÉM DO HORIZONTE

 

Procuro além do horizonte.

Talvez, a encontre

Ou apenas me equivoque.

Estendo a mão em busca de um leve toque

Imaginário, inefável, inebriante.

Quem sabe assim, o horizonte lhe devolve.

 

Se porventura, sob a palidez do céu, explore 

A vastidão do proceloso mar distante,

Desfeito em lágrimas que ainda me comovem,

Mas não demovem a dor desse instante,

E nada encontre

Além da mesma sorte

Que tem suporte, os sonhos dos amantes,

Saberei antes, muito antes,

Que encontrei enfim, a própria morte.

 

 

A VIÚVA MÁ

 

E na janela um rosto me observa,

Não se preserva,

Pois se obstina

Em me reconhecer enquanto se aproxima,

Uma jovem concubina

Vindo da taverna.

 

Tão curiosa e indiscreta é ela,

Que se apega as pregas da cortina,

Tomba pra frente e quase cai por cima

Do parapeito estreito da janela.

 

É uma viúva boateira e velha

Que há muito tempo reside sozinha.

Triste, malévola e também mesquinha,

Tornou-se frigida e maquiavélica.

Vai a igreja, ajoelha e reza,

Uma megera em trajes de santinha.

 

 

 

AO ANDAR PELA RUA

 

Não consigo andar pela rua

Sem revê-la em mais de um rosto,

Um cabelo, uma calça, uma blusa,

Até mesmo, outro corpo.

Uma voz que me chama, eu a ouço.

Uma boca parece com a sua,

Insinua beijar-me de novo.

 

Sem você não sou todo,

Todo o mundo é tão pouco,

Todo ouro é penúria,

Meus juízos parecem loucura,

Minhas  juras não passam de engodo.

 

 

ATRAVÉS DA RETINA

 

O seu rosto irradia uma luz cristalina

Que seduz e ilumina minha alma sombria.

Sua boca macia, sussurrando ainda,

Diz que é minha, toda a sua alegria.

Seu sorriso me guia nessa vasta campina

E desfaz a neblina que já me confundia.

O seu corpo alicia a paixão libertina,

Que domina minha mente arredia.

Sua volta alivia a saudade ferina, 

Me conforta, me anima e me traz euforia.

Soube que amor havia, através da retina, 

Vendo você tão linda quão no primeiro dia.

 

 

CORAÇÃO PARTIDO

 

Anoiteço,

Ouço o vento chamá-la,

É o amor que me fala no anseio contido.

A saudade no sono se cala.

Adormeço tentando beijá-la.

Amanheço de coração partido.

 

 

ESSE AMOR

 

Esse amor que nos colide feito estrelas no infinito,

É um inesperado mito que nos une e nos divide,

É o único palpite numa aposta sem sentido,

É o último pedido que entre beijos se revide,

É a mão que nos agride pelo mínimo motivo,

É um pertinaz aviso pra que a cama nos convide,

É a corte que decide a punição de dois cativos,

É o clamor dos fugitivos pra que nunca os castigue.

 

 

O JARDIM        

 

É a época em que o jardim aflora.

Há covas para serem cultivadas.

Eu águo a terra estercada,

Dando vida a inopinada flora.

 

Há meses, o vergel enflora.

Pelo meio das leivas regadas,

Há plântulas ainda orvalhadas

No silêncio da aurora.

 

Há flores para colher lá fora.

Anseio pela esperada hora

De adornar a minha amada

Com pétalas de cor variada,

Colares de botões de rosa.

 

Que lazeira lamentosa,

Eis que a impiedosa parca

À minha doce amada, abarca,

Ao meu coração devora.

O meu jardim se desflora,

Perde o viço de outrora,

Pouco a pouco se devasta.

E na sepultura gasta

Onde ela, hoje, mora,

Uma singular flor brota,

Desconsolada.

 

 

ENTRE MEDO E REMORSOS

 

Entre medo e remorsos,

Esse amor nos condena

A vivermos de pena

E baldados esforços.

 

Nossas mentes e corpos

Num eterno dilema,

Enfrentar o problema,

Sem estarmos dispostos.

 

Somos insidiosos

Na paixão violenta

Quando entram em cena

Laços afetuosos.

 

Já não faço o que posso.

Você nem mesmo tenta.

Esse amor nos condena

A vivermos de pena,

Entre medo e remorsos.

 

 

FORÇADO ABANDONO

 

A saudade tende aumentar a dor

Da separação que estamos nos impondo.

Sei que estamos evitando

Com o forçado abandono

De tão proibido amor,

Um enorme amargor

Àqueles a quem mais amamos.

 

Seu silêncio só está me castigando,

Não consegue postergar o meu amor.

Relegado ao dissabor, ao desencanto,

Reconheço o enorme engano

De acordar com seu teor.

 

 

 

 

UM PANO DE FUNDO

 

Sempre fico aparvalhado quando a vejo.

É tão forte o meu desejo

Que não finjo, não disfarço.

 

Qual astronauta no espaço,

Absorto com a visão do próprio mundo,

Eu a vejo em frente a um pano de fundo

Que encobre todo o resto do cenário.

 

Na ilusão de ser um casal solitário,

Continuo alheado com a sua aparição.

Seu sorriso manifesta minha paixão,

Chego a sentir o doce dos seus lábios.

 

Não percebo o quanto isso é temerário

Ante o curioso olhar de inquirição

Que nos lança, cada um dos funcionários.

 

 

PAIXÃO PROIBIDA

 

Na sua boca permissiva,

Os beijos são viciosos.

Seus lábios apetitosos,

Não me dão alternativa.

 

Nessa relação nociva,

Entre olhares perigosos,

Tornamo-nos aleivosos

Condenados à desdita.

 

Essa paixão proibida,

Arrasta-nos ansiosos,

A uma reação fingida.

 

E entregues à desdita,

Somos dois insidiosos

Que se perdem pela vida.

 

 

 

A SENHORA

 

Eu a amo Senhora,

Mesmo na ânsia das horas

E dos encontros ocultos.

São aos seus atributos

Que meu corpo implora.

Esse amor me apavora,

Por ser irresoluto.

Conto cada minuto

Para tê-la de volta.

Minha alma, Senhora,

É devota ao seu culto.

E num breve singulto,

O meu coração chora.

 

 

ENTRE JAZIGOS LUSTROSOS

 

Aonde iriam os mortos?

Ao rio dos remorsos,

Onde apesar dos esforços,

Não há como emergir.

 

Os vivos teimam em seguir

O caminhar de seus ossos.

O praguejar de seus rogos,

Ainda tentam ouvir.

 

O verbo é inexistir.

A carne, pútridos corpos.

As vozes, meros monólogos,

Entre jazigos lustrosos,

Dos que permanecem aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ÚLTIMA SAÍDA

 

Não me queixo da má sorte,

Nem das noites mal dormidas,

Essa rouquidão maldita,

Só me deixa mais disforme.

Minha boca é um fino corte,

Onde a língua comprimida,

Sofregamente inaudita,                      

Não permite que eu discorde.

Ainda me resta a morte

Como última alternativa,

Se acaso, minha desdita,

À vida, não suporte.

 

 

OLHOS TRISTES

 

O que vejo em minha frente,

Senão grandes olhos tristes

Que perguntam se existem

Tão amargos e descrentes?

 

Por demais impertinentes,

Imperturbáveis, assistem

Às lágrimas que resistem

Negar veementemente.

 

 

IMBECIBÉIS

 

A poluição sonora

É medida em decibéis.

Aos imbecis fiéis

A um som que incomoda,

Eu alcunho imbecibéis

(Imbecis, débeis fiéis

Que perturbam a toda hora).

 

 

 

 

 

PROCURA-SE VIVO OU MORTO

 

Os meus ditos malditos

São levados ao vento

Pelas vozes do tempo,

Pelos rogos benditos.

 

Os meus gestos contidos

São deixados largados.

Às vezes, me despedaço

Entre abraços mal cingidos.

 

Feito um reles bandido,

Sou mais um procurado,

Vivo ou morto, ou matado,

Morto ou vivo, ou vivido.

 

 

ASSÉPTICO

 

Ao andar pela rua sem ter um rumo certo,

Imagino um deserto de incompreensões,

De estranhas visões de um homem desperto

Pelo seu intelecto, pelas suas ações.

 

Através de ilusões, procura o concreto,

Na verdade, ao inverso, vaga em abstrações.

Inventando missões de um mito decrépito

Que se torna adepto de suas ambições.

 

Ao clamor de orações, me condenam ao inferno,

Um abismo aberto em dóceis corações

Que fiéis como cães se entreolham famélicos

Pelo meu sangue asséptico às suas maldições.

 

Formam-se em legiões de caráter maléfico,

Um embuste arquétipo de suas frustrações,

Provocando lesões que acreditam por mérito,

Regredindo aos séculos de barbárie e de superstições.

 

 

 

 

NATIVOS

 

“Na verdade, na verdade vos digo”:

Eu sou um mito

Que ainda vaga pelo mundo

Por seu desgosto profundo,

Pela força do castigo.

 

Sou impulsivo

Em meus mandos e desmandos.

Sou desumano

Tão insano quanto o rito

Desses nativos

Submissos aos reclamos

De um suposto paraíso.

 

 

SE

 

Se o mundo se tornasse

Um lugar de alegoria,

Onde a lenda e a fantasia

Fossem tudo que restasse,

Eu duvido que prestasse

Sem o toque de magia

Que encanta noite e dia

Que é a própria realidade.

 

 

 

Por ser tão só

Em meio à solidão da vida,

Seiva mantida

Nas voltas de rijo cipó,

Sou como um nó

Em uma corda apodrecida,

Sem serventia,

Capaz de desfazer-se em pó.

 

 

 

 

MEU DESERTO

 

O meu deserto

É infinito em tons de areia,

É a mais lúgubre certeza

De que não há ninguém por perto,

É tão concreto

Quanto a pedra que alheia,

Delineia

Meu lugar no cemitério.

 

 

MESMO CALADA

 

Teus olhos querem por fim,

Dizer-me calma.

Mas, tua alma

Pede muito mais de mim.

Tua boca ainda diz sim,

Mesmo calada.

Sabe que nada

Vai tirar você de mim.

 

 

PERSONAGEM LITERÁRIA

 

Personagem literária

Que teima em ganhar a vida

Numa ascensão desmedida

A uma estação elevada.

Não pode ser derrubada,

Nem jamais ser ofendida.

Desconhece a dor sentida

Por ser mera fantasia

De uma mente alucinada.

Em si mesma, não é nada,

Por ser massa fictícia.

Criador que é mera cria,

Entre páginas antigas,

Criação mitificada.

 

 

 

HESITADO ANDAR

 

Quão difícil compreender essa mulher

Que ainda me quer

Mas não quer se dividir.

Ela teima em fugir por sua fé,

Manter de pé

Cada dia do existir.

 

Seus lábios teimam em pedir

O que a boca diz negar.

Quer me amar

Sem me sentir.

Sua fidelidade ao lar, se faz ouvir.

 

Enquanto a vejo se afastar

Com aquele hesitado andar

De quem deseja me seguir.

 

 

SOB PESTANAS PISCADAS

 

Sob pestanas piscadas,

Meus olhos buscam por ti

Na densa névoa de lágrimas

Desse meu torpe existir.

 

Ainda a vejo aqui,

A me sorrir, encantada

Com as mais doces palavras

Que tentam te iludir.

 

Mas se dissipa, a fugir

Nessa volátil fumaça,

Tão irreal que se apaga.

                                                                            

Entre meus lábios, fumada.

Entre meus dedos, deixada,

Relegada ao desistir.

 

 

 

 

ADEUS SEM ACENO DE MÃO

 

Talvez nem você compreenda

Como uma paixão tão intensa

Pôde arrefecer-se no tempo.

Hoje, um breve pensamento,

Uma distante ameaça.

 

Como um vendaval que passa

E nos deixa mitigados

Pelos danos serem parcos,

Foi esse amor relegado

A uma distante lembrança.

 

Fica, quem sabe, a esperança

De que essa imposta distância

Foi a melhor decisão.

E que cada coração

Siga a seta já mirada.

Você não me deve nada,

Pois me deste a maior paga,

Um amor sem restrição.

 

Deste adeus à ilusão,

À improvável realidade

Que pode haver felicidade

Onde há infidelidade,

Mentiras e dissensão.

 

Dou adeus sem aceno de mão,

Não por falta de ousadia,

Mas por ausência de alegria

E por mortificação.

 

Fim por tudo ter acabado.

Sempre é algo inalcançável.

Esperar é frustração.

 

 

 

 

 

 

À DISTÂNCIA

 

Em minha dor sem dó,

Tenho as mãos lavadas.

Em duras palavras,

A verdade é uma só:

Ao soprar-lhe em pó,

Não me restou nada.

 

Nem uma marca d’água,

Nem sombra e/ou traço

De que ainda há algo,

Foi-me revelada.

 

Já não tenho mais alma

Que me leve ao céu.

Não há versículo em papel

De um anjo cruel

Que ande pelo meu chapéu,

Circulando a aba.

 

Num berço de palha,

Um rei sem nobreza,

Morreu na certeza

De sua própria farsa.

 

Sua lenda afaga

Pela ignorância,

A falsa esperança

De uma suposta graça.

 

Os delírios em massa

Com a sua arrogância,

Mantêm crucificada,

A razão humana.

Enquanto à distância,

Essa vida passa.

Enquanto essa vida passa

À distância.

 

 

 

 

A FLOR DO JARDIM ALHEIO

 

Eu me perdi de você por algum tempo,

Entretido em pensamento,

Encantado com outra flor

Que vi no jardim alheio.

Não me perdi por inteiro,

Talvez por tenaz amor

A quem me tinha primeiro.

 

Se eu não fui verdadeiro

Com cheiro tão sedutor

Que me atraiu e me deixou

Sem rumo, sem paradeiro,

Peço perdão a quem for,

Seja a você meu amor

Ou à vicejante flor

D’aquele jardim alheio.

 

Não haveria outro meio

De reencontrar o caminho,

Se eu não ficasse sozinho,

Sem a flor do jardim alheio.

Ela murchou-se no canteiro

Por zelo e por carinho,

Não sei se a mim, descaminho

Ou ao seu amor primeiro.

 

Estou de volta e receio

Que a flor do jardim alheio

Renasça em novo botão

E que sua bela visão

Arraste o meu coração

À devoção e ao enleio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COMO NUM PASSE DE MÁGICA

 

Quanto teve que esperar

A minha mãe emprenhada,

Que eu ainda em larva

Viesse a me transmudar?

 

Tanto quanto a se moldar

Numa versão transformada,

Uma figura que nada

Na escuridão do lugar.

 

Nasci sem me demorar,

A luz do mundo me abala,

Enquanto uma mão me afaga

Na intenção de calar.

 

Entre falar e andar,

Eu comecei criar asa

E mesmo dentro de casa,

Já começava a voar.

 

Meu pai ao me abraçar,

Sempre me aconselhara,

Desde a criança deixada

Até o meu madurar.

 

Que a vida tende a passar

E de maneira tão rápida

Como num passe de mágica,

Como fumaça no ar.

 

Filho, viva com vagar,

Sustenha cada passada.

Ante tão breve jornada,

Nunca se deixe apressar.

 

Sigo, rumo ao que virá,

Relembrando da estrada

Que por mim já foi trilhada.

A chegada, meu fim será.

 

 

No mais singelo olhar,

Na mais vulgar das palavras,

Na mais simplória risada,

Vejo algo singular.

 

Não me canso de pensar:

O intelecto é uma dádiva

Que a evolução legara

Ao encéfalo angular.

 

Vivo a me extasiar,

A realidade basta.

A matéria é tão vasta

Quanto se possa alcançar.

 

É fantástico imaginar,

Mantendo os pés nas sandálias,   

Pois as nuvens são levadas,

Transparece a luz solar.

 

O meu ímpar pede par.

Filhos andam pela casa.

Eis que a vida se desbasta

Entre as portas de um lar.

 

Com o tiquetaquear,

Ouço a vida oscilada

Pelo tempo que não para,

Que não para de contar.

 

Corre solta, sem parar, 

Feito égua numa raia,

Essa vida que esbarra

Numa faixa a enlutar.

 

Decrepitude e pesar,

Eis minha vida ceifada.

Deixo de ser quase nada

Para nada me tornar.

 

 

 

 

O PEIDÃO

 

Digo logo, de antemão,

Que o ato é repulsivo,

Constrangedor, descabido,

E é falta de educação.

 

Peidar pra ele é missão.

O mau cheiro é divertido.

Mas parece desprovido

De tão sutil sensação

 

Que passa pra acusação,

Sem rodeios, diz convicto:

Você peidou, fui eu não.

 

Veja que situação:

Cheirar seu peido expelido

E ainda assumir a emissão.

 

 

SE EU JÁ TIVESSE MORRIDO

 

Se eu já tivesse morrido

Há alguns anos atrás,

Não me seria demais

Pensar num túmulo florido.

 

Entre lápides e gemidos,

Seriam lidos os meus ais.

Ante a morte dos demais,

A minha perde o sentido.

 

Tal destino está predito,

É a predica dos mortais,

Cada qual por um delito.

 

Todos buscam um veredito

Entre Deus e Satanás.

Eu desprezo esse prescrito.

 

 

 

COMPLEXA UNICIDADE

 

Vejo o todo, essa complexa unicidade,

Não como uma divindade que possa raciocinar.

Apesar de sua singularidade,

É a mera totalidade do que há.

 

Não pode se aperceber por não pensar,

Incapaz em sua materialidade.

Não há forma que o possa deslindar

Por sua incomensurabilidade.

 

A despeito da arrogante vaidade

Que tem a medíocre humanidade,

Cabe-lhe uma função peculiar,

 

Como partícula, mesmo que elementar,

Tem por si, a sua essencialidade:

Manter do todo, a soma, a integralidade.

 

 

ÚNICA QUEIXA

 

Foi sua infidelidade

Que me permitiu amá-la. 

Contudo, sua dignidade,

Apesar de afastá-la,

Não me fez esquecê-la.

 

Como posso demovê-la

De uma decisão tão árdua,

Quando devo acatá-la e reconhecê-la?

 

Sei que fiz por merecê-la,

Não devo enganá-la.

Quem dera poder beijá-la

E novamente tê-la.

 

Sentir tanto a sua falta

É o que me agasta,

É a minha única queixa.

 

 

SUCUMBIR DIÁRIO

 

Meu inevitável sucumbir diário,

Eu assiná-lo com enorme vagar,

Nas finas páginas de um calendário

Que estático teima em me apressar.

 

Meus dias gastos, passo-os a contar

Sob a ilusão de que é temporário

Esse meu hábito de cronometrar,

Esse maldito ato costumário.

 

Sou consciente ser desnecessário

O meu esforço de desacelerar

Ou de poder tornar estacionário

 

O constante badalar do horário

Que o pêndulo insiste em reverberar

Em meu ouvido refratário.

 

 

JAMAIS TERMINA

 

Não sei se a amo ainda

Na mesmice e na rotina,

Depois de tantos anos.

 

Enchi nossa casa de sonhos

Que entre paredes e planos

Perderam-se sob a míngua

Desse ingrato sentimento

Desgastado pelo tempo

E pela luta contínua.

 

O amor não nos ensina

Quanto a perdas e ganhos.

Nós descontinuamos.

Mas, jamais termina.

 

 

 

 

 

PAIXÃO DESVAIRADA

 

Estou tentando esquecer,

A cada dia que passa,

Essa paixão desvairada

Que vive a me endoidecer.

 

Essa angústia em querer

Como se tão necessária

Que ao não poder alcançá-la

Creio não possa viver.

 

Essa paixão desvairada é você

Que atormenta minha alma,

Que me condena a sofrer.

 

Ah! Por que fui me aprazer

De uma dona obstinada

Que já não quer se envolver?

 

 

ATEU PERNICIOSO

 

Quem é aquele pálido horroroso

Em meio à multidão de galhardos,

Aquele de olhos esbugalhados

E de semblante asqueroso?

 

É o único disposto

A lutar pelos mais fracos.

É também um dos fanáticos?

É mais um religioso?

 

Não, é um ateu pernicioso.

Diz que Deus é um escárnio

Ao intelecto do povo.

 

Enquanto o mesmo, de novo,

É deixado ao descaso

À espera de um ato milagroso.

 

 

 

BOSQUE DE TRISTEZA

 

No teu rosto por inteiro,

Há uma proporção perfeita.

Tua boca tão afeita,

Dá-me medo.

Medo de ser condenado

A amar sem ser amado,

A sofrer uma desfeita.

 

No teu colo, uma colheita

Entre frutos perfumados,

Sutilmente adocicados

Pelos lábios de quem beija.

Uma dona que alheia

Aos meus cuidados,

Me mantem enclausurado

Em um bosque de tristeza.

 

Caem folhas sobre a cesta

Onde guarda meus recados.

Em meus olhos lacrimados,

Se espelha.

Não me avilta que me veja

Eternamente enraizado,

Sendo arbúsculo vergado,

Nesse bosque de tristeza.

 

 

OLHAR VOCÊ

 

Meus olhos teimam em falar

O que eu não posso dizer.

Eu não consigo fechar

Meus olhos sem não te ver.

 

Não há milagres, nem flores,

Nem mesmo filhos e amores

Que me façam parar de olhar

Você.

 

 

 

A VIZINHA

 

Enquanto a casa, eu retelho,

Para uma arrumação.

A vizinha tão sem zelo,

Chama a minha atenção.

 

Linda, nua em pelo,

Olha-me com o mesmo anseio

Que há em meu coração.

 

Eu não faço uma oração

Porque não creio.

Porém, fico de joelhos

E imploro que não,

Não me deixe na mão,

Preciso mesmo.

 

 

DÚBIA EXISTÊNCIA

 

Toda essa miséria é relegada

Aos pés da indiferença

E do silêncio.

Assim como eu, são tantos outros,

Sem o menor esforço

Para dirimir o sofrimento,

Para uma mais justa equivalência.

 

Não me aborreça, não me ofenda

Com essa fervorosa crença

Em um deus que é muito pouco

Para a minha inteligência.

 

A subserviência,

Deixar-me-ia louco.

Não há conforto para um morto,

Sua dúbia existência.

 

 

 

 

 

A...

 

Esse “A” disperso em frases,

Ainda me leva Àquelas tardes

De Ai, quantas saudades

De nós dois!

“A” de Antes e depois,

De Amenidades.

“A” de Animosidade que se foi.

 

Esse “A” de dar Adeus sem merecer,

De Além do que eu posso fazer,

É o “A” que diz seu nome.

“A” de Alguém que não responde

Aos Aulidos do meu triste padecer.

 

Esse “A” deixou de ser.

“A” de Amada fez-se Amiga

Na esperança que Algum dia

Esteja Amadurecida

Para o caso inverter.

 

Esse “A” que Ainda tento entender

Por que Abdicou de mim,

É o início, é o fim

Do meu doce bem querer.

 

Esse “A” de Amo você,

De Abandono, de Acabou,

É o mesmo de Aquela que não vê

Que não vai deixar de ser

O meu único Amor.

 

Esse “A” que me restou

É de Algo mais,

Não define os meus Ais,

Mas Assiste à minha dor.

 

 

 

 

 

 

QUEBRANTO

 

Sinto tanto a tua falta,

Tanto quanto

Me entristeço e me espanto

Com a ausência que se arrasta,

Com o silêncio que te cala,

Caio em pranto.

 

O teu rosto tem o encanto

Que me basta.

Tua boca agora casta,

Friamente se afasta

E me deixa ao quebranto.

 

 

NO VAI E VEM DO CAMINHAR

 

O que é o ladrão,

Senão o mesmo cidadão

Com o intuito de roubar?

 

O que divide esse mar

De ilusão

Onde boiam precisão

E bem-estar?

 

No vai e vem do caminhar,

Não há razão

Que uma tênue emoção

Não tenha força pra dobrar.

 

O que devemos esperar

Diante da indefinição

Onde uma mínima ação

Pode ao futuro transmudar?

 

Como calar

Perante a imane frustração

Que enfurece o mais afável coração,

O acicatando a clamar?

 

 

DE VOLTA PARA CASA

 

Traga-me de volta para casa.

Manter a porta escancarada,

Não me faz entrar.

Preciso novamente te amar.

Corte-me as asas,

Eu não quero mais voar.

 

A liberdade que me fez vagar

Pelas mesmas estradas,

Silenciosas e solitárias,

Que eu vivia a imaginar,

Já não consegue fascinar.

 

E a clausura de um lar

Parece-me agora, tão necessária

Quanto essa ação involuntária,

Essa vontade de chorar.

 

 

COMO AMEI OUTRORA

 

Eu a amo ainda,

Quando o dia finda

E você vai embora.

Como amei outrora,

Nas primeiras horas,

Eu a amo ainda.

 

Você ilumina

Com a luz da retina,

Minha vida umbrosa.

Precavida, ignora

Este que fixo, a olha,

E lhe descortina.

 

 

 

 

 

 

 

JASMIM

 

Você ficou em mim,

Como uma tatuagem,

Gravada sua imagem

Em tinta de nanquim.

 

Em meu deserto, enfim,

Você é a miragem

Que me dá a coragem

De ir até o fim.

 

No sáfaro jardim,

É a verde folhagem

E se mantem assim.

 

Seu cheiro de jasmim

Que veio com a aragem,

Ainda respiro em mim.

 

 

CORAÇÃO DO PRÓXIMO

 

A crescente esperança se avoluma

Ao sabor das palavras que consolam,

Fechando as feridas que as nossas próprias unhas

Em mãos humanas, nos esfolam.

 

Os olhos ainda choram

Entre o medo e o gesto de nobreza.

Sorrimos ante a face da tristeza,

Por sentirmos tanto ódio.

 

A bênção do perdão é o próprio ópio,

O milagre do remorso

De quem se torna perverso

Nas emoções de um outro universo,

Que é o coração do próximo.

 

 

 

 

 

ROSTO

 

Fujo desse rosto que me intriga

Numa acusação desmedida de meus erros.

Julga ter direitos em cobrar-me uma conduta

Que me livre de uma culpa

Que não cabe em si mesmo.

Passo os dedos entre os meus cabelos,

Afastando o peso da memória.

Vejo que o espelho já não chora

Na esperança que agora

Eu atenda aos seus apelos.

 

 

UM SOPRO DE VIDA

 

Corro desesperadamente à procura de saída

Dessa maldita vida

Que me prende a esse corpo

Que quase morto

Minha alma ainda habita

E por ser nele finita,

Vai se desfazendo aos poucos.

 

Corro feito um louco,

Sem saber que me orbita

A razão que me elucida,

E de nada valeria meu esforço.

Por ser tão moço,

Eu jamais concordaria.

 

Continuo nessa agonia

De correr na ventania

Contra um sopro

Que afaga o meu rosto

Com malícia

Na intensão que eu não veria

Que ainda sofro.

 

 

 

 

 

AOS PAIS

 

Onde anda a obediência                                              

Dos filhos aos pais?

São sinais

De mau tempo

Quando se elevam ao vento,

As ofensas e os ais.

 

 

NA PRAÇA

 

Há um casal sentado na praça,

Sob um céu pálido de raro entardecer,

Que lembra eu e você

No mesmo estado de graça

Que só no amor pode se ver.

 

Enquanto tento descrever,

Eu emudeço entre lágrimas.

A linha parece ocupada;

Do outro lado ela tenta entender.

 

Alô, amigo é você,

O que se passa?

Enfim respondo: Não é nada,

Estou sentindo a sua falta,

Preciso muito lhe rever.

 

Não, você tem que se conter,

O meu consorte está em casa,

Seja mais forte, tenha calma,

Aos poucos, vai me esquecer.

 

E sem mais nada pra dizer,

O celular assim se cala.

E a saudade vira mágoa.

O mesmo amor que me desarma,

Em minha alma continua a combater.

 

 

 

 

MEU CÃO PASTOR

 

Jeová, meu cão pastor,

Cruelmente escavacou

O éden, nosso jardim.

Com o pontapé que dou,

Ele corre com a dor,

Ele grita então, Caim!

 

Jeová não é ruim,

É um cão farejador

Que procura com ardor

Uma presa pra seu fim.

 

Quando a gente pensa, enfim

Jeová se acalmou,

Ele mostra seu furor,

Os seus dentes de marfim.

 

Jeová é um cão assim,

Late com o seu Senhor

Implorando por amor.

 

Quer ser o meu salvador,

Mas só é salvo por mim.

 

 

LÁBIOS SELADOS

 

Quem poderia saber

Que em meus lábios selados,

Que em meus olhos velados

Estava o ato de morrer?

 

Quem poderia entender

Que exorcizava meus medos,

Que exercitava meus erros

Para tentar aprender?

 

Ninguém. Posso eu mesmo responder,

De meu cadáver inumado.

 

 

AO SABOR DO VÍCIO

 

Na solidão da rua,

Na embriaguez do copo,

A timidez nos olhos

Continua...

 

Ele observa a lua

Enquanto vive o ócio,

Por já não ser mais sócio

Da labuta.

 

Não acredita em culpa,

Por não sentir remorso.

Fará qualquer negócio,

Menos pedir desculpa.

 

E se alguém lhe acusa

De não manter-se sóbrio,

Sorri pelo que é óbvio:

Viver é melancólico;

Morrer, simples recusa.

 

 

OS MEUS OLHOS

 

Os meus olhos me observam do espelho

Como se conscientes de si mesmos.

Reconhecem em minha face, os seus erros

E silenciam como cúmplices

Do meu silêncio,

Da minha sorte.

 

Os meus olhos num só corte,

Perdem o medo

De jamais verem o que vejo,

A minha morte.

 

 

 

 

 

 

UM NÓ NA ALMA

 

Eu deveria desatar

O nó que prende minha alma.

Talvez deixasse de ser nada

Além de um homem tão vulgar.

 

Talvez pudesse encontrar

O Eu que não me procurava.

Que simplesmente se enforcava

Num nó suspenso, a balançar.

 

 

ABSTRAÍDO

 

Eu sinto a espuma do mar

Tocar de leve meus dedos.

Eu teimo em caminhar,

Seguir o dia inteiro

E adentrar pela noite,

Enquanto o vento em açoite,

Assanha os meus cabelos.

 

Afasto os meus pesadelos

Entre o marulho do mar

E o barulho do vento.

Entregue aos meus pensamentos,

Eu sou capaz de voar.

 

Ouço uma voz me chamar

À realidade do instante:

Sou um sonhador errante,

Sou um jovem cadeirante

Que observa radiante,

A imensidão do mar.

 

 

 

 

 

 

 

 

DESALENTO, DOR E SOLIDÃO

 

No começo, ao desabrochar a flor,

O perfume que exala é sedução;

O querer servir não é escravidão,

É apenas gratidão ao seu senhor.

 

Essa força que não há como se opor,

Que nos tira o equilíbrio e a razão

É aquela chama acesa, a paixão;

É o fogo que nos queima, é o amor.

 

Uma página que o tempo apagou,

A magia que perdeu a ilusão,

Eis a lágrima de uma separação

A estranha comoção, o desamor.

 

No silêncio, é o grito de horror

Que eclode na extrema escuridão.

Desalento, dor e solidão

São as sobras relegadas pelo amor.

 

 

PRISIONEIRO

 

Não existe uma alma

No meu corpo solitário.

Não existe um dinossauro

Em meu quintal.

Sou mamífero mortal

Que não se cala,

Uma vítima de um mundo temporal.

Fui deixado à mercê, em uma vala;

Fui julgado pela convenção moral;

Prisioneiro de uma humanidade falha

Que se basta na ilusão de bem e mal.

 

 

 

 

 

 

 

AO REFLEXO NO ESPELHO

 

Quem é você?

Eu me pergunto e jamais soube responder.

Você que vive e não sabe o porquê.

Você que luta inutilmente pra viver

E sem poder

Deseja ter a melhor sorte.

Você que foge de si mesmo

Por ser real seu pesadelo,

Um ser que solitário morre.

 

 

SOB LUAS, SOB SÓIS

 

Assim vamos cada um de nós

Soterrados pelas pás dos coveiros

Entre passos sorrateiros

Sob luas, sob sóis.

 

E em cada dia o que dói,

Que parece um pesadelo

É tão frágil, passageiro,

Que a si mesmo se destrói.

 

Eis que o tempo nos corrói

E temos medo

Por saber que estamos sós.

 

 

OS AMIGOS

 

Os amigos dispersos na vida,

Já não se veem mais.

Seu amores ficaram pra trás

Com seus ais e alegrias.

 

Suas conversas foram esquecidas,

Se tornaram banais.

Suas condutas não serão jamais

Como foram um dia.

 

 

AMOR IRRESTRITO

 

De quem era aquela mão

Que me afagava os cabelos,

Acalentava e acalmava

Os meus torpes pesadelos?

 

Nunca precisei chorar,

Ajoelhar e rezar

Ou fazer milhões de apelos

Pra essa mão me abençoar

Ao saber me perdoar

Por tantos erros.

 

Apontava meus defeitos

Sem jamais me ameaçar

Ou impor qualquer castigo.

 

Seu amor era irrestrito.

Sempre me fez se orgulhar

De ser seu filho.

 

 

A TRISTEZA DO MEU ROSTO

 

Será que o lençol cobre meu corpo

Por estar morto

Sobre a penumbra do arrebol?

Eis que alguém levanta o lençol

Para ver qual é o rosto.

 

Quem sabe está pensando: era tão moço,

Talvez desgosto,

Não verá mais a luz do sol.

 

E cobre novamente com o lençol,

A tristeza do meu rosto.

 

 

 

 

 

 

OLHOS DE EXTREMA AGONIA

 

Esses olhos de extrema agonia

Que me observam em silêncio

São da morte

Que me corrói por dentro

Procurando uma saída.

 

Esse espelho me arrepia,

Expressão de sofrimento

De um olhar que é só tormento

Pela falta de alegria.

 

Essa dor em mim contida,

Faz a noite mais comprida,

Faz mais vasto o breve tempo.

Busco em vão nesse momento,

Um pensamento

Que não seja o fim da vida.

 

 

ENQUANTO ABRAÇO A SOLIDÃO

 

Será que tenho mesmo que mentir

Para aplacar meu coração?

Nos braços tenho a estranha sensação

De que ainda está aqui.

E minha alma põe-se a sorrir

Enquanto abraço a solidão.

 

As lágrimas que me turvam a visão

São as mesmas que a viram então partir.

Agora, teimam em me iludir,

Vejo você na escuridão.

 

Estendo a minha mão

Na intensão de impedir

A sua imagem de se diluir,

Mas você teima em sumir

Enquanto abraço a solidão.

 

 

 

CORTESÃ AFOITA

 

E quando os filhos dormem,

Ela se entrega a mim...

 

Louca, por que se dá assim?

Enquanto beija a minha boca,

Ela se deixa, solta,

Ser penetrada enfim.

 

A minha língua nua sorve

Seus grandes lábios de carmim.

Ela se abre toda,

Tal qual flor no jardim.

 

Os seus gemidos dizem sim

Para que eu não me sufoque,

Sofregamente em cada toque,

Ela prolonga junto a mim.

 

Acende-se um estopim:

Ela transmuda-se de esposa

Em cortesã afoita.

Exaustos e sem roupas,

Não temos mais escolha,

E chegamos ao fim.

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