NOIVA

_A João da Silva_

«Anda a dôr dissimulada
Mas ella dará seu fruito.»

Crisfal

     «_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._»

     (_Trecho duma carta_)

Tive noticias hoje a teu respeito:
«Vae ser pedida. Casa qualquer dia».
E o coração tranquillo no meu peito
--Continuou a bater como batia...

Surpreso duma tal serenidade,
Todo eu, intimamente, me sondava:
Pois nem ciume? Nem sequer saudade?!
--E nem ciumes, nem saudade achava...

Saudades, não; que o teu amor antigo
Guardam-no as cinzas (neste coração)
Como em Pompeia aquelles grãos de trigo
Que após centenas d'annos deram pão...

Saudades! Mas de quê?! Pois não sei eu
A lei antiga como o proprio mundo
De que o prazer mal chega, já morreu,
E só a dôr nas almas cava fundo?

Causei-te longas horas d'amargura,
Não consegues voltar a ser feliz;
A chaga que te abri não terá cura,
E se curar--lá fica a cicatriz.

Á luz dum juramento que trahiste
Tu has de vêr-me toda a vida pois.
Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste
E Deus casou-nos esse dia, aos dois...

Ciumes tambem não, por te venderes.
Desgraçadinha! Antes te houvesses dado;
Não descerias tanto entre as mulheres,
Seria mais humano o teu peccado.

Porém, embora a tua falta aponte,
P'ra mim és a que foste (ou que eu suppuz);
O sol desapparece no horisonte
--E a gente vê-o ainda a dar-nos luz...

Póde a desgraça erguer em frente a mim
Altas montanhas d'elevados cumes.
O sol do amôr doiral-as-ha, e assim,
Vendo-o tão alto, não terei ciumes.

Ciumes! _Elle_ é que hade tel-os, quando,
Em claras noites de luar silente,
Ouvir vibrar alguma voz, cantando
Os versos que te fiz devotamente.

Versos para te ungirem os ouvidos
E os labios d'anemica e de santa,
Tão pobres, tão ingenuos, tão sentidos,
Que o povo humilde os acolheu e os canta.

Então, se te olhar bem, logo adivinha...
Logo sombriamente se convence
De que a tua alma se fundiu na minha
--E apenas o teu corpo lhe pertence.

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