Noutro lado qualquer

Ao lado, num lado qualquer....

Na mesa de pratos alinhados, ao centro da sala encoberta dos raios do sol teimoso deste outono tímido, ainda com cheiro a verão, quatro cadeiras vazias esperam serventia sob a sombra de amplos cortinados amarelo Alentejo, magestosamente pendidos,  ocultando as paredes seculares de taipa caiada .

Em cada canto, portanto quatro, as floreiras de plantas altas imitam o ambiente tropical do outro lado do mundo, numa tentativa de identidade perdida, como perdidos foram os anos passados em africa. Nunca se esquece o passado, apesar de tudo, a história dos meus pais, retornados, seja lá o que isso for, são a minha origem, mesmo sem nunca ter ido a Angola sempre me identifiquei com o passado, talvez embalado pelas historias de serão nas longas noites de agosto, no fresco do quintal, ao sabor do timbre rouco e lento do meu pai.

Da cozinha,  enchendo a casa, um cheiro a guisado, doce e apetitoso, guia-me o instinto para ficar. As malas feitas teimam em vincar a partida, o borbulhar da panela fervendo e o fresco das paredes de taipa pedem-me para ficar mais um pouco.

Cinco anos, sim eram cinco anos, de esforço, contas de diminuir e mais contas de ficar para mais tarde e o engenho mágico dos progenitores orgulhosos que  me possibilitaram  a ter formação, ou seja,  tirar um curso sem superioridade nenhuma, nao gosto da palavra. Ficaram as memórias do esforço,  dizem que endurece a alma,  talvez a minha ainda em crescimento, porque as deles devem ser bastante duras.

No bolso um bilhete de ida, não sei porquê, nem para onde, mas porque apesar do esforço, e mesmo sabendo que no quintal as histórias dos serões de agosto ficarão guardadas na esperança do regresso, este país não tem condições, segundo disseram na televisão.

Agarrado ao que tenho, dentro do que sou, impedido de ser o que queria irei tentar ser homem, ter histórias para contar aos filhos em voz rouca, num  quintal qualquer, sejam eles doutra nação qualquer, mesmo sem  conhecerem Portugal, mesmo sem paredes de taipa, afinal é a minha história, seja eu quem for quando deixar de ser o que sou agora.

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