Nulo
QUOTIDIANOS – 4º CAPÍTULO
Palavras amigas e familiares da minha Prima Olinda Rio, a dar-me ânimo, esperança, fé…
Um telefonema alongado de familiares da Guarda, sempre com humor: “Outrora, num Sermão na Festa de São Marcos no Carvalhal do Côa, o pregador apelou para os fiéis olharem para o céu, dizendo: “se chover cagai nos figos, se não chover vão ser tantos como as caganitas das cabras a descer pelas lajes abaixo.”
Há anos um Homem encontrou um ricalhaço de Badamalos sem filhos e perguntou-lhe: “Quando a morte estiver à porta, o que farás a tanto dinheiro?” Resposta pronta: “Coloco um varapau atrás da porta para os meus sobrinhos partirem os cornos uns aos outros”.
Chegaram finalmente as Cerejas do Fundão, estou a saboreá-las à janela enquanto observo um casal de pintassilgos à procura de sementes entre papoilas, a dar as despedidas no jardim, para alimentar as crias, protegidas num ninho meio escondido, num pequeno pinheiro ramudo. Partilho este prazer, abrindo duas e atirando-as na sua direcção. Levam-nas como uma bênção de Deus. Gosto destes lindos pintassilgos… Agradecem-me com os seus inconfundíveis e harmoniosos cânticos. As Cerejas do Fundão, carnudas e doces, dispõem bem e são a melhor terapia para os tecidos intestinais funcionarem maravilhosamente. Já tenho os pés para fazer chás aconselháveis…
O meu amigo e professor Miguel Santos, neste ping-pong dos Professores com o Governo, manda-me este poema: “Sou tudo, sem ser nada/Tenho dias que não/Tenho dias que vivo/E outros desisto./ É entre o tudo e o nada/É entre o brilho da lua e a noite escura/É entre a vontade e o desalento/Que vive a minha alma./É para lá do mar que está o destino/É no sonhar que está a luz/É no acreditar que está a esperança/ E eu, sou tudo, sem ser nada.”
Enquanto aguardo o Conselho Técnico para descobrirmos em conjunto uma estratégia para viver em Liberdade e Segurança, aprendendo a lidar com esta doença, alguém me lê o signo: “pessoas muito sociáveis, com muita sensibilidade para com os outros”.
Ao almoço falamos de psicanálise, da ciência freudiana, que em Portugal teve dois grandes mestres que influenciaram muitas gerações vindouras: João dos Santos e Eduardo Cortesão. A discussão está animada até que alguém coloca ordem na mesa: “vocês complicam a psicanálise, é apenas uma pessoa a falar com outra pessoa.”
Tantas polémicas por causa da construção do Museu das Descobertas, uma promessa eleitoral com o slogan “palavra dada, palavra honrada”. A este propósito aconselho a leitura do artigo “O duro fardo de ser português” do jornalista Manuel Carvalho, publicado no “Público” de 27 de Junho. Estranho povo que, naquilo que o pode engrandecer, gosta de ser do tamanho da formiguinha.
No mesmo diário, há uma entrevista ao Treinador do Irão, o português Carlos Queiroz. Gosto da sua invejável frontalidade, sem medo das palavras. Pode discordar-se aqui e ali, mas há verdades que têm de ser ditas nas horas próprias. É um treinador português que já deu muitas alegrias a Portugal e introduziu grandes inovações no futebol, convém ter memória antes de disparar os costumeiros insultos patrióticos. Estavam à espera que o treinador do Irão pedisse aos seus jogadores para facilitarem ou desse palmadinhas nas costas dos adversários? Que ingenuidade disfarçada de patriotismo… O jogo foi um delírio total, Portugal joga pouco mas emociona muito. Depois de tanto roer de unhas, lá empatámos com o Irão e passámos por uma unha negra…. Uma senhora ao meu lado não aguentou a pressão e foi-se deitar.
Alguém comenta que a guerra é o maior negócio do mundo, rende milhões de dólares e custa milhões de vidas. Em vez de pão, os Governos alimentam os povos de armas.
Um jovem pergunta-me insistentemente “eu atrofio?”. Peço-lhe para, sempre que tiver essa inquietação, conjugar o presente do indicativo do verbo atrofiar. Percebeu a minha mensagem.
Inúmeras pessoas de outras paragens continuam a destacar a vida cultural no concelho do Fundão. Um amigo, menosprezando os muitos e bons eventos culturais no Fundão, diz que às boas terras se vai lá pelo cheiro, não é preciso mais nada… Como o meu olfacto não é tão apurado, gosto de ver, ouvir, ler sobre as coisas e escrever sobre os factos que observo. Sei que há pessoas que não gostam dos factos que as contrariam, os factos são inimigos que é preciso combater, inventar a toda a hora que nada se passa, afastar todos os agentes culturais que não são da sua tribo. Donald Trump, irritado há pouco tempo com factos que o desmentiam, disse que “todos os factos são estúpidos”. Assim, só não é estúpido ter Teatro no Fundão se for eu o único protagonista, só não é estúpido ter Cinema no Fundão se os filmes forem produzidos por mim, só não é estúpida a Cidadania se a minha opinião for a única a ser escutada, só não é estúpido um Jornal se todos se vergarem à minha sapiência sobre os media, só não é estúpida a Música se tiver começado na minha garagem… Poesia? Os versos têm que ser os meus! Festival literário? Só com escritores made in Fundão (de preferência que nunca tenham pisado a fronteira de Valverde)! Arte? Só com artistas do Fundão (podemos perder na comparação com artistas de outros povos)! Encontros com outras culturas? Para quê? Nada temos a aprender com outras gentes! Bakunine escreveu que “não há nada tão estúpido como a inteligência orgulhosa de si mesma.”
Como não tenho imaginação, nem capacidade para inventar, só escrevo sobre memórias e factos: e eis mais um facto cultural, a juntar às centenas no Fundão, o lançamento na Moagem do Livro “DESPORTO NO FUNDÃO – VIAGEM NO TEMPO DE 1900 A 1955”, da autoria de João Barroca e do seu filho Bruno Brito. Parabéns aos autores, em especial ao “pai” da obra, um grande coleccionador e guardião de memórias.
Um agradecimento muito especial ao José António Nabais, um fundanense companheiro de viagens para Castelo Branco e vice-versa, que não se esquece de me actualizar diariamente com notícias.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Junho/2018