O FIRMAMENTO
Autor: Soares de Passos on Wednesday, 12 December 2012
AO MEU AMIGO J. S. DA SILVA FERRAZ Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso, O livro do infinito, Onde em mil letras de fulgor intenso Seu nome adoro escripto. Eis de seu tabernaculo corrida Uma ponta do véo mysterioso: Desprende as azas remontando á vida, Alma que anceias pelo eterno gôso! Estrellas que brilhaes n'essas moradas, Quaes são vossos destinos? Vós sois, vós sois as lampadas sagradas De seus umbraes divinos. Pullulando do seio omnipotente, E sumidas por fim na eternidade, Sois as faiscas de seu carro ardente Ao rolar através da immensidade. E cada qual de vós um astro encerra, Um sol que apenas vejo, Monarcha d'outros mundos como a terra Que formam seu cortejo. Ninguem póde contar-vos: quem podéra Esses mundos contar a que daes vida, Escuros para nós qual nossa esphera Vos é nas trevas da amplidão sumida? Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsas Do throno soberano: Quem vos ha de seguir nas profundezas D'esse infinito oceano? E quem ha de contar-vos n'essas plagas Que os céos ostentam de brilhante alvura, Lá onde sua mão sostem as vagas Dos soes que um dia romperão na altura? E tudo outr'ora na mudez jazia, Nos véos do frio nada: Reinava a noite escura; a luz do dia Era em Deus concentrada. Elle fallou! e as sombras n'um momento Se dissiparam na amplidão distante! Elle fallou! e o vasto firmamento Seu véo de mundos desfraldou ovante! E tudo despertou, e tudo gyra Immerso em seus fulgores; E cada mundo é sonorosa lyra Cantando os seus louvores. Cantae, ó mundos que seu braço impelle, Harpas da creação, fachos do dia, Cantae louvor universal Áquelle Que vos sustenta, e nos espaços guia! Terra, globo que geras nas entranhas Meu ser, o ser humano, Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas, E com teu vasto oceano? Tu és um grão d'areia arrebatado Por esse immenso turbilhão dos mundos Em volta de seu throno levantado Do universo nos seios mais profundos. E tu, homem, que és tu, ente mesquinho Que soberbo te elevas, Buscando sem cessar abrir caminho Por tuas densas trevas? Que és tu com teus imperios e colossos? Um átomo subtil, um froixo alento: Tu vives um instante, e de teus ossos Só restam cinzas que sacode o vento. Mas ah! tu pensas, e o gyrar dos orbes Á razão encadeias; Tu pensas, e inspirado em Deus te absorbes Na chamma das ideias: Alegra-te, immortal, que esse alto lume Não morre em trevas d'um jazigo escasso! Gloria a Deus, que n'um átomo resume O pensamento que transcende o espaço! Caminha, ó rei da terra! se inda és pobre, Conquista aureo destino, E de seculo em seculo mais nobre Eleva a Deus teu hymno! E tu, ó terra, nos floridos mantos Abriga os filhos que em teu seio geras, E teu canto d'amor reune aos cantos Que a Deus se elevam de milhões d'espheras! Dizem que já sem forças, moribunda, Tu vergas decadente: Oh! não, de tanto sol que te circumda Teu sol inda é fulgente. Tu és joven ainda: a cada passo Tu assistes d'um mundo ás agonias, E rolas entretanto n'esse espaço Coberta de perfumes e harmonias. Mas ai! tu findarás! além scintilla Hoje um astro brilhante; Ámanhã eil-o treme, eil-o vacilla, E fenece arquejante: Que foi? quem o apagou? foi seu alento Que extinguiu essa luz já fatigada; Foram seculos mil, foi um momento Que a eternidade fez volver ao nada. Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêso Dos annos e ruinas, Tu cahirás n'esse vulcão accêso Que teu sol denominas; E teus irmãos tambem, esses planetas Que a mesma vida, a mesma luz inflamma, Attrahidos emfim, quaes borboletas, Cahirão como tu na mesma chamma. Então, ó sol, então n'esse aureo throno Que farás tu ainda, Monarcha solitario, e em abandono, Com tua gloria finda? Tu findarás tambem, a fria morte Alcançará teu carro chammejante: Ella te segue, e prophetiza a sorte N'essas manchas que toldam teu semblante. Que são ellas? talvez os restos frios D'algum antigo mundo, Que inda referve em borbotões sombrios No teu seio profundo. Talvez, envôlta pouco a pouco a frente Nas cinzas sepulchraes de cada filho, Debaixo d'elles todos de repente Apagarás teu vacillante brilho. E as sombras poisarão no vasto imperio Que teu facho alumia; Mas que vale de menos um psalterio Dos orbes na harmonia? Outro sol como tu, outras espheras Virão no espaço descantar seu hymno, Renovando nos sitios onde imperas Do sol dos soes o resplendor divino. Gloria a seu nome! um dia meditando Outro céo mais perfeito, O céo d'agora a seu altivo mando Talvez caia desfeito. Então, mundos, estrellas, soes brilhantes, Qual bando d'aguias na amplidão disperso, Chocando-se em destroços fumegantes, Desabarão no fundo do universo. Então a vida, refluindo ao seio Do fóco soberano, Parará concentrando-se no meio D'esse infinito oceano; E, acabado por fim quanto fulgura, Apenas restarão na immensidade-- O silencio aguardando a voz futura, O throno de Jehovah, e a eternidade!
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