O MOSTEIRO DA BATALHA
Autor: Soares de Passos on Saturday, 15 December 2012
Pulsemos a lyra, que além se levanta
Padrão de victoria que immenso reluz!
Um templo e altares á Mãe sacrosancta;
Um templo, um poema que altivo descanta
Grandezas da patria nos atrios da cruz.
Grandezas da patria quem traz á memoria
Que o peito não sinta d'orgulho bater?
Pulsemos a lyra! do livro da historia
Volvamos as folhas, que a musa da gloria
Em nuvens ethereas sentimos descer!
* * * * *
Eis já d'Aljubarrota nas campinas
Se encontraram as hostes contendoras.
D'aqui tremulam portuguezas quinas:
D'além as castelhanas invasoras.
D'aqui é João primeiro, cuja lança
A corôa defende e a patria cara:
D'além o estranho rei, pedindo a herança
Da princeza Beatriz que desposára.
Refulge o sol nas armas, os cavallos
Rincham fogosos escarvando a terra;
D'um lado e d'outro os chefes a intervallos
Correm as alas animando á guerra.
Pouco avultam as hostes portuguezas:
Tremendo é de Castella o poderío;
Mas quem á patria negará proezas
D'alto valor, e generoso brio!
A vespera é do dia consagrado
Á Assumpção gloriosa de Maria;
Os olhos levantando, o rei soldado:
«Senhora, exclama, nosso esforço guia!
«Se vencermos, um templo magestoso
«Te erguerei sobre o campo da batalha!»
Diz, e esporeando seu corcel fogoso
Brios em todos com a voz espalha.
Soam trombetas; o signal é dado;
Fluctuam soltos os pendões na frente:
--Sam Tiago!--brada o castelhano ousado;
--Sam Jorge e ávante!--a portugueza gente.
Rédeas soltando os esquadrões galopam,
E dão em cheio com furor insano,
Como torrentes que no val se topam,
Ou como as ondas no revolto oceano.
Retine o ferro, a multidão se agita;
As hachas d'armas, os broqueis lampejam;
Piões, ginetes, com medonha grita,
N'um mar de sangue em turbilhão pelejam.
O sol já desce a mergulhar no oceano,
E inda referve a encarniçada lida;
Eis redobra d'esforço o lusitano,
E o estrangeiro leva de vencida.
Foge o rei castelhano espavorido;
Fogem os seus em debandada solta;
Persegue-os João primeiro, e destemido
A gosar do triumpho ao campo volta.
Já se erigem trophéos, já resplandece
O céo da patria c'o fulgor da gloria;
Faltava o monumento que dissesse:
--Foi aqui! eis o campo da victoria!
* * * * *
E eil-o ahi que se levanta
Com magestosa grandeza,
D'aquella gentil proeza
Sublime recordação;
Eil-o ahi aos céos erguido,
Como um colosso gigante
Apontando ao caminhante
O sitio da grande acção.
Altos porticos, lavores
D'ostentosa architectura,
Corucheus d'immensa altura
Roçando a fronte nos céos;
Dentro, a nobre magestade
Do sanctuario profundo,
Onde, extincta a voz do mundo,
Só lembra o passado, e Deus.
Sobre os gothicos pilares
Brilham tremulos fulgores,
Que das vidraças de côres
Entorna a mystica luz.
Tudo cala, mas, se o orgão
Por entre as naves resôa,
Tudo se anima, e apregôa
O sancto Verbo da cruz.
Então a mente se enleva
Nas torrentes de harmonia
Que da abobada vasia
Retumbam pela amplidão;
E, abrazada nos fulgores
Dos vivos, sagrados lumes,
Sobre as azas dos perfumes
Revôa á etherea mansão.
Se tudo cahe em silencio,
Cahe em si mesma, e medita,
Recordando a data escripta
N'esses gothicos umbraes.
Pensa então nos heroismos,
E crenças da meia idade,
Combatendo a escuridade
D'aquelles tempos feudaes.
Pensa nos vultos heroicos
Dos antigos cavalleiros,
E em nossos feitos guerreiros
Pela patria e pela cruz;
Pensa na grande victoria
Que nos fez independentes,
E que aos olhos dos presentes
N'esse moimento reluz;
Pensa n'um povo pequeno,
Mas esforçado e guerreiro,
Triumphando do estrangeiro
Á voz do rei popular;
Pensa no Mestre valente;
E sua sombra gigante
Parece ás vezes distante
Entre as columnas vagar.
E pensa tambem no artista,
N'esse architecto inspirado
Que um poema sublimado
Alli traçou a cinzel;
Que cego da luz dos olhos
Accendeu a luz do engenho,
E consummou seu empenho,
Ao grande assumpto fiel.
E Affonso Domingues surge
N'esse padrão sobranceiro
Ao lado de João primeiro,
Seu immortal fundador;
Reis ambos: um pelo berço
Que lhe deu sua nobreza;
Outro, rei pela grandeza
Do seu genio creador.
Lá dormem! um rodeado
Dos brazões da sua gloria,
Como depois da victoria,
Sob a tenda a descançar;
Outro á sombra d'esses tectos
Em campa singela e nua,
Como querendo a obra sua
D'além da tumba guardar.
* * * * *
E lá dormem tambem outros que a morte
Juntou á sombra do logar sagrado,
D'infantes e de reis alta cohorte,
Servindo de cortejo ao rei soldado.
Reunidos emfim no chão funereo,
Fernando, Pedro, e Henrique, os tres infantes;
Henrique, o sabio audaz que outro hemispherio
Primeiro abriu aos lusos navegantes.
Duarte e João segundo descançando
D'altas victorias na mansão tranquilla;
Affonso quinto c'os laureis sonhando
D'Alcacer, Tanger, e da forte Arzilla.
E no sôpro do vento que perpassa,
E lhes roça nas frias sepulturas,
Parecem murmurar em voz escassa,
E agitar suas ferreas armaduras.
E lá quando o luar pelas janellas
Lhes escôa nas lapidas marmoreas,
Talvez erguidos se recostam n'ellas
A fallar entre si de nossas glorias.
Dormi em paz, ó chefes do passado,
Heroico fundador, prole valente;
Dormi em paz no tumulo calado
Recordando os laureis da vossa gente.
Enchei em roda os penetraes divinos
De vossos gloriosos esplendores;
E se tendes poder sobre os destinos,
Defendei-os do tempo e seus furores.
Que as gerações passando reverentes
Possam, volvendo as paginas da historia,
Largas eras saudar, curvando as frentes,
Esse padrão d'immoredoura gloria!Género: