O NOSSO LAR

_A Antonio Arroyo_

«Sonhar a vida é apenas entretel-a.
Partamos della para nós, senão
Lá vae o coração para uma estrella
E fica a gente sem o coração!»

_GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_

Quem vir--como eu os vejo--decorrer
Annos e annos duma vida rasa
Em miseraveis quartos d'aluguer,

Frios no inverno e no estío em braza,
--A um amôr sonhado de mulher
Allía sempre o sonho duma casa...

O aspecto duma casa raro mente,
A côr, as linhas duma frontaria
Dão logo a perceber nitidamente,

Melhor do que um vizinho o contaria,
O genio e a indole da gente
Que nella tem o lar, a moradia.

Vejam esses _cottages_ tanto em moda
Entre os inglezes e os capitalistas,
Com grades no jardim, a toda a roda...

Impenetraveis ás alheias vistas...
Não abrem nunca uma janella toda...
São mudos, graves, individualistas.

E aquelles caixotões de pedra e cal
Que surgem ao formar-se um bairro novo,
No constante engordar da Capital,

(O que eu, aliás, muito aprecio e louvo...)
--Não mostram bem, com o seu ar banal,
A falta de caracter deste povo?

Quando uma santa e pobre rapariga,
Em cujo olhar se abranda o meu soffrer
E a cujo coração o meu se liga,

Puder chegar a ser minha mulher,
Eu quero então que a nossa casa diga
Bondade e alegria de viver.

Terá um só andar. Grandes alturas
Causam vertigens, trazem ambições.
Os sonhos de riqueza e d'aventuras

Enchem as almas de desillusões.
A f'licidade vem ás creaturas
Da pacificação dos corações.

As portas sem degraus. Que sejam rentes
Da terra. Portas largas e rasgadas,
Convidativas, francas, attrahentes;

Ao rez da terra, para as aleijadas
e os tropegos velhinhos indigentes
Se não cançarem a subir escadas...

Amplas janellas para a natureza.
Que o sol na sua clara irradiação
Dissipe atravez dellas a tristeza;

Amplas--e baixas. Quem precise pão,
E o vir da rua sobre a nossa meza,
Que estenda o braço, que lhe lance a mão...

Ao lado um horto e um jardim fragrante,
Sem grades aguçadas para o céu.
A grade é agressiva, hostilisante,

E sempre a impressão cruel me deu
Dum dono que bradasse ao caminhante:
--Tudo isto aqui é meu, sómente meu...

Sem gradeamento. Um murosito apenas
Revestido de rosas de toucar,
De ariolas, de glicinias, de verbenas.

Muro d'onde os que forem a passar
Vejam lilazes, cravos, assucenas...
--E a paz, a doce paz do nosso lar.

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