*O PECCADO*
Nunca cessamos de peccar
	     (Imitação de Christo)
I
*Ubique doemon*
	Bem sei... e mais que o sei, claro luar!
	Que segundo a severa theologia,
	Pelas noutes sonoras de poesia
	O aroma dos lyrios faz peccar!
	Quem vos diría!... madresilvas, mar,
	Lilazes, claros rios, cotovia!
	Que ao dizer da tirannica theoria,
	Vós farieis a Carne triumphar!
	Ah! Natureza, pois, se és criminosa,
	E nos levam ao mal urnas da rosa,
	Bom coração de Christo imaculado!...
	Quantos não vês morrer, do ceu prufundo,
	Cheios de sangue, como heroes no mundo,
	--Exhautos dos mil golpes do Peccado!?--
II
*O Peccado*
	Elle é antigo, tragico e venal,
	Amando a Carne, o Crime e os assassinos,
	E como a folha acerba d'um punhal,
	--É quem golpeia os seios femeninos!--
	É complicado, mystico, mortal,
	Com sombrios escrupulos divinos,
	E é quem faz estorcer os braços finos,
	E escorregar a lagrima final.
	No entanto, grato e funebre Peccado!
	Atrahente, gostoso e desejado,
	Negro nome de vicio e perdição!...
	A Egreja vê em tudo as tuas chagas;
	E ha muito tempo já que o mundo esmagas,
	E te embriaga o sangue da Paixão!
III
*A Cidade*
	Em vão busco na velha e hostil Cidade,
	Beata amante, de gangrenas cheia,
	As dispersas raizes da Verdade,
	--Como uma flor n'um pateo de cadeia.
	Quando, alta noute, D. _Juan_ passeia,
	Ella põe-lhe em leilão a mocidade,
	Tratada com a mystica anciedade
	Com que um sabio cultiva a flor da Idea.
	Mas, comtudo ninguem receia tanto
	O aspero Deus, e o lenho sacrosanto
	Da dorida tragedia do Calvario!
	E, ó _D. Juan_, ás luzes das estrellas,
	Tu bem sabes se encontras nas viellas
	Mais de uma vez, perdido algum rosario!...
IV
*O Inimigo*
	     Á genoux! Je suis Pan!
	     (Victor Hugo)
	Ha muito que é chamado o Aborrecido,
	O rebelde, o leproso, o descontente,
	E eterno tentador sempre vencido,
	Que habita o Ar, a Terra, e o Fogo ardente.
	Elle é a hydra, a Carne, o incontinente,
	O orgulho nos abysmos submergido,
	O que anda sempre em _nós_, o cão batido,
	O espirito da Duvida, a Serpente,
	Mas, mau grado, ó Egreja, a tua ira,
	Elle não é nem Vicio, nem Mentira,
	Nem synonimo de Mal e de Impureza!...
	E eu bem sei, negro symbolo apupado,
	Velho satyro, vil, calumniado,
	Diabo! que te chamas «Natureza!»
V
*Em toda a parte*
	_Elles_ tem dito e escripto que o Peccado
	Anda disperso e roe o mundo inteiro,
	Que habita o duro coração guerreiro,
	E o peito femenino e delicado.
	Que anda no ar, em nós, da flor no cheiro,
	Das pugnas no ruido desolado,
	No vinho, na paz doce do mosteiro,
	--No corpo da mulher perfeito e amado!--
	É portanto, homem timido e sujeito,
	Quer te encostes, ou não, ao vão Direito,
	O teu funebre gozo e teu tormento!
	Habitua-te a tel-o na Desgraça,
	No ar, no chão, na flor, no som que passa,
	--E até, serpente vil, no Pensamento!
VI
*Á Janella*
	Altas horas da noute, quando a rua
	É deserta da onda crapulosa,
	No seu caminho em meio, vagarosa,
	--Abro a minha janella a ver a lua.
	Como uma branca divindade nua
	Ella avança celeste, e, á luz ditosa,
	Qual copo de cristal que enche uma rosa,
	O goivo do Peccado em luz fluctua.
	Fluctua, e é nestas horas recolhidas
	Que me ergo então ás cupulas subidas
	D'onde se avista o mystico ideal...
	E rio, e admiro o vulgo obsecado
	Que cuida ver, nas beiras d'um telhado,
	Abrir-se n'um _craveiro_ a flor do Mal!
VII
*Ella*
	Quando _ella_ emfim morrer, verão os vivos
	Cortando o ar uns ais de sentimento,
	Como os lugubres córos dos captivos
	N'um triumpho, ou n'um grande saímento.
	Ouvir-se-hão soluços pelo vento,
	Elogios, ais fundos, fugitivos,
	Que dirão:--«Lá se vão meus lenitivos!
	Morreu a Espada, a Lei, Guia e Sustento!»
	O seu tumulo terá goivos e rosas,
	E vãs estatuas lividas, chorosas,
	E epitaphios em lugubre latim.
	Terá palmas mais verdes que a Esperança;
	--Mas a alma, em cima, escreverá:--Descança!
	Serpente, irmã de Judas e Cain!