_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao A. este prato_.
Senhora, tambem hum dia
Entrarei co'a frente erguida;
Não serei na vossa meza
Dependente toda a vida;
Nem sempre abatido pejo
Dirá nesta cara feia
Quanto doe a hum peito altivo
Matar fome em caza alheia;
Airozo, gordo Perum,
He meu soberbo prezente;
Traz inda as pennas molhadas
Co'pranto da minha gente;
No Santo Dia esperavão,
Quebrando antigo jejum,
Cravar inexpertos dentes
Neste primeiro Perum;
A russa, magra Jozefa,[3]
Ergueo queixume sentido;
Custou-lhe mais esta auzencia,
Que a do defunto Marido.
[Nota de rodapé 3: Creada.]
O loiro, alvar galleguinho
Chegou aos olhos seu trapo;
Tinha vistas sobre a carne,
E muitas mais sobre o papo.
Seu almôço requerendo
Em luzindo a madrugada,
Na esquerda, grossa fatia
D'ambas as partes barrada;
Na dextra, com branda cana
O seu pupîlo guiava;
Em tenras, públicas malvas,
Para si o apascentava;
Quando lhe mandei trazer-vos
O bom companheiro seu,
Pedindo-me côxos mezes,
Me disse, que o trouxesse eu.
Eu o trago; a offerta he pura,
Mas a tenção a envenena;
Traz escondida huma uzura,
Maior, que a da meia sena.[4]
[Nota de rodapé 4: Partido de jogo.]
Com hum sorrizo acceitai
O atraiçoado convite;
Vem a morrer huma vez,
Porque muitas resuscite.
Curai todos os Domingos
A minha doença interna;
Sobre a meza milagroza
Seja esta ave, huma ave eterna;
De outra, que finge a Poezia,
Trocai em verdade a pêta;
E seja hum negro Perum
A Fenis deste Poeta;
Na ondada, pia toalha,
Co'a benção da vossa mão
Seus frios, despidos ossos,
De carne se cubriráõ;
Consenti, que este ouco peito
Ao prodígio se consagre;
E que dentro em si colloque
A mór parte do milagre;
Quanto ao Padre Prégador,[5]
Meu voto he não convidallo;
Porque ha de comer o assumpto,
Muito melhor que prégallo.
[Nota de rodapé 5: Capellão da Caza.]