Oração
Outomno. Morre o dia.
Cae sobre as coisas placidas e calmas
Um véo de sombra e de melancolia
Que dulcifica e embrandece as almas.
Todo o meu sêr se invade
De enervantes e mysticas doçuras,
De mansidão, de paz, de suavidade,
De sentimentos bons, de ideias puras.
No coração prepassa
Uma piedade e compaixão serena
Por todos os validos da desgraça,
Por tudo quanto soffre e quanto pena:
Pelos pequenos entes
Sem abrigo, sem lar e sem carinho,
Que são como avesinhas innocentes
Postas por mão cruel fóra do ninho;
Pelos encarcerados
Que lançam, d'entre as grades da cadeia,
Ao ar, á luz, aos montes afastados
A vista afflicta e de amarguras cheia;
Pelos que vão pedindo
De porta em porta o pão de cada dia,
Tristes, que sempre a morte olham sorrindo
Porque ella unicamente os allivia;
Pelos que andam distantes
Entre cruezas, fomes e perigos,
Sentindo a nostalgia lancinante
Da patria, da familia, dos amigos;
E n'uma emoção crente,
N'uma fé viva, forte e bemfazeja,
A Deus supplico fervorosamente
Que os guie, que os soccorra, que os proteja.