*Os Figos Pretos*
--Verdes figueiras soluçantes nos caminhos!
Vós sois odiadas desde os seculos avós:
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos,
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós!
--Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras
Deixae-o fallar!
Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras,
Que bom que é amar!
--O mundo odeia-vos. Ninguem nos quer, vos ama:
Os paes transmittem pelo sangue esse odio aos moços.
No sitio onde medraes, ha quazi sempre lama
E debruçaes-vos sobre abysmos, sobre poços.
--Quando eu for defunta para os esqueletos,
Ponde uma ao meu lado:
Tristinha, chorando, darà figos pretos...
De luto pezado!
--Os aldeões para evitar vosso perfume
Sua respiração suspendem, ao passar...
Com vossa lenha não se accende, á noite, o lume,
Os carpinteiros não vos querem aplainar.
--Oh cheiro de figos, melhor que o do incenso
Que incensa o Senhor!
Podesse eu, quem dera! deital-o no lenço
Para o meu amor...
--As outras arvores não são vossas amigas...
Mãos espalmadas, estendidas, supplicantes,
Com essas folhas, sois como velhas mendigas
N'uma estrada, pedindo esmola aos caminhantes!
--Mendigas de estrada! mendigas de estrada!
E cheias de figos!
Os ricos là passam e não vos dao nada,
Vos daes aos mendigos...
--Ai de ti! ai de ti! ó figueiral gemente!
O goivo é mais feliz, todo amarello, lá.
Ninguem te quer: tua madeira é unicamente
Utilizada para as forcas, onde as ha...
--Que màs creaturas! que injustas sois todas
Que injustas que sois!
Serà de figueira meu leito da bodas...
E os berços, depois
--Tragicas, nuas, esqueleticas, sem pelle,
Por traz de vós, a lua é bem uma caveira!...
Ó figos pretos, sois as lagrymas d'aquelle
Que, em certo dia, se enforcou n'uma figueira!
--Tambem era negro, de negro cegava
O pranto, o rosario,
Que, em certa tardinha, desfiava, desfiava,
Alguem, no Calvario...
--E, assim, ao ver no outomno uma figueira nua,
Se os figos caem de maduros, pelo chão:
Cuido que é a ossada do Traidor, á luz da lua,
A chorar, a chorar sua alta traição!
--Ó minhas figueiras! ó minhas figueiras
Deixae-o fallar!
Oh! vinde de hi ver-nos, a arder nas fogueiras
Cantar e bailar...
Coimbra, 1889.