*OS MONGES DE ZURBARAN*

(IMITADO DE TH. GAUTIER)

Monges de Zurbaran! ó magros solitarios,
Que ao longo deslisaes dos grandes claustros frios,
Correndo eternamente as contas dos rosarios!

Dos remorsos sentis os santos desvarios?
Que mal vos fez a Carne, algozes de tonsura?
Espectros monacaes cavados e sombrios?

Essa materia vil--que é divina esculptura,
E que o Justo vestiu nas santas tradições,
Com que lei e razão é que bradaes--Impura?

Ó santos! eu entendo as allucinações!
Os chumbos em fusão, as abrasadas lenhas,
As grelhas, a polé, e as fauces dos leões!...

As rodas infernaes que rasgam as entranhas,
Tudo o que Roma ideou;--mas o que eu não entendo
É o suicidio e a fé sob essas estamenhas!

Por que pois, sempre assim, um suicidio horrendo?
E toda a noute a carne, entre as vis disciplinas,
Dilacerar até o sangue ver correndo?

Não são só as crueis macerações mofinas,
E o continuo bater nos peitos angulosos,
Que em tuas letras só, ó Christo! nos ensinas!

Julgais que Deus só quer aos grandes ulcerosos!
E que essa morte lenta, esse ar austero e grave,
Vos faça abrir mais cedo os ceus gloriosos?

Julgais que tal suicidio os grandes crimes lave?
--Largae das magras mãos, unidas, as caveiras,
Vossas covas, mortaes, deixai que um outro as cave!

O espirito immortal ergue-se entre as fogueiras;
Mas continuo insultar a Carne com desdem,
É rebaixar-te, ó Deus, a charlatão de feiras!

E comtudo que força e que energia teem,
Esses monges de Deus, em vivo amortalhados,
A viver sem mulher, sem paes, e sem ninguem!

Tão moços! e, assim já, tão velhos e cavados!
Por horisonte um claustro e um muro,--indifferentes,
Sósinhos a resar ante os Crucificados!

Teus frades, Lesueur, são d'estes differentes!
O triste Zurbaran soube exprimir melhor
Os extases do olhar e as cabeças doentes!

E a vertigem do ceu, o tedio, o desamor
Da Carne, que lhes dá aureolas febris,--
E esse aspecto que faz gelar-nos de pavor!

Como o duro pincel lhes pinta a flor de liz
Dos cilicios! e a luz dos olhos mortecidos,
E essas rugas que os faz magros, sublimes, vis!

Como as pregas alonga aos habitos compridos!
Como ás faces lhes cava a pallidez da terra,
Como se fossem já uns mortos estendidos!

Quando as vizões do Ceu nos extases descerra,
Ao Crucifixo os pés beijando soluçantes,
E açoutando-se qual o mar açouta a serra!...

Ou quando passeaes pelos claustros gigantes,
Nem mesmo a propria sombra atraz deixando ao muro,
--Sempre, ó monges! vos pinta eguaes e semelhantes!

Com duas tintas só--claro livido, e escuro,
Só duas posições--a recta e a que inclina,
Pintou a vossa historia e o vosso viver duro!

A forma, o raio, a côr, a luz que nos fascina,
Nada são para vós, magros indifferentes,
Por que o Ceu vos desvaira e a Cruz vos allucina!

E assim mudos passaes nas Biblias reverentes...
Julgando sempre ouvir nos ceus que se descobrem,
Trovejar de repente as trombetas dos crentes.

Ó monges! ó fieis! não entendeis o homem!
Talvez a herva cresça, agora, em vossos peitos,
Pois bem, que dizeis hoje aos vermes que vos comem?

Que sonhos maus fazeis n'esses extremos leitos?
Choraes o ter gastado o tempo que nos foge,
Entre essas solidões e esses muros estreitos?!...

Monges, o que haveis feito, inda o farieis hoje?!

Género: