PERDOASTE!

 

      Anjo offendido; outra vez,
      Volve teus olhos do ceo
      Áquelle que te offendeu!
      Vel-o abatido a teus pés,
      Anjo esquece, e compassivo,
      Num sorriso de perdão,
      Torna a dar-lhe o coração.
      A cada instante mais vivo
      O remorso cresce em mim;
      Perdoa, oh! perdoa, emfim!

      Offendi-te num momento
      De terrivel desvario;
      Era o ciume violento!
      O rubor da castidade
      A tua face affrontava,
      E eu cego, eu perdido, ousava
      Proseguir! oh! por piedade,
      Por piedade, anjo do ceo,
      Perdoa a quem te offendeu!

      Em breve a razão voltou,
      E com ella essa anciedade
      Do desgraçado que ousou
      Num momento de loucura
      Offender a divindade.
      Nas trevas da noite escura,
      Nem ao menos uma estrella,
      Brilhava serena e bella!
      E eu caminhava em delirio
      Sem força para acabar
      A vida que era um martyrio!
      A tão profunda amargura
      Quem me podia arrancar,
      Quem, senão um teu olhar?

      Lá, nas sombras do horisonte,
      Despontou por fim a luz,
      A mesma que em tua fronte
      Bella e placida reluz.
      No peito afflicto e cançado
      Senti dilatar-se então
      Este oppresso coração;
      O teu olhar adorado
      A mim outra vez volveu,
      Terno, meigo, apaixonado.
      Perdoaste, anjo do ceo!

Abril de 1857.
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