Pobre sim, porém Digno

Pobre sim, porém Digno

 

Ao sair de casa hoje pela manhã, uma vizinha que mora sozinha me chama e pede um favor. Queria que eu comprasse para ela um liquidificador. Pois o dela havia quebrado, e como ela tem 85 anos, e já com problemas de locomoção, (entre outros), pediu minha ajuda para resolver seu problema, ela precisava muito do objeto para poder se alimentar e continuar viva. – Assim disse ela. – Me deu algum dinheiro, mas como ela já não tem mais noção do valor da moeda, deu-me duas cédulas de dois reais. Prontamente recebi e não fiz comentário algum, disse a ela que traria seu liquidificador quando eu voltasse da cidade. Ela agradeceu bastante e entrou em sua casa. Locomovia-se com muita dificuldade.

 

Lá fui eu pra cidade comprar uma camisa, esse era o motivo primário que me fez sair de casa nessa manhã. E também comprar o liquidificador da senhora vizinha. Mas, a cidade estava um caos total. Manifestações, quebra quebra, passeatas, saques nas lojas e bancos, polícia nas ruas, batalhão de choque. Ou seja, a cidade estava um inferno urbano declarado. Mesmo assim, arrisquei ir ao centro da cidade fazer o que tinha que fazer.

 

O ônibus em que eu estava foi apedrejado numa das vias de acesso ao centro. Por sorte, nenhum coquetel molotov atingiu o ônibus. Porém outros ônibus foram atingidos, carros comuns e até viaturas da polícia também estavam sendo alvo de ataques naquela manhã. Centenas de pessoas corriam pra lá e pra lá. Muita gente praticando vandalismo. Quebrando vidraças de lojas, bancos, repartições públicas, carros do governo, carros de polícia, ônibus etc.

 

Assim que consegui descer do ônibus, bem na frente de uma loja de eletrodomésticos, as portas estavam ao chão. Muita gente entrando e saindo com aparelhos celulares, aparelhos de som, máquina de lavar e até geladeiras. Fiquei parado olhando aquilo indignado. Senti vergonha por pertencer a esta humanidade. Nunca vou participar de um roubo coletivo.

 

Olhei para dentro da loja e vi uma prateleira ainda intacta, com alguns liquidificadores e outros aparelhos do mesmo porte e tamanho. Sim, é claro que eu podia entrar ali e pegar qualquer um deles, ou até dois ou três deles. Mas me senti envergonhado. Essa é a palavra. Nunca me aproveitar de ninguém e de nada, mesmo que seja fácil. Isso foi coisa que minha mãe me ensinou.

 

Sai do centro a pé. Peguei outro ônibus em direção ao subúrbio. Ao descer achei uma lojinha pequena perto de casa. Comprei o liquidificador da minha vizinha, e também um espremedor de frutas. Voltei pra casa. Bati na porta da vizinha, entreguei os aparelhos para ela e mais dois reais de troco. Ela perguntou se o dinheiro deu pra comprar tudo isso e ainda voltou um trocado. Eu disse que sim. Ela agradeceu muito, tanto que toda tarde, se eu estiver em casa, ela leva um pedaço de bolo mim.

 

Minha mãe me disse um dia: - “Você pode até ser pobre, mas seja um pobre digno. Nunca se aproveite de ninguém, nem de nada.” – Palavras de Dona Livanete. Minha mãe.

 

Charles Silva

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