QUEM DIRÁ?

 

      Quem dirá, vendo a expressão
      Que brilha no teu olhar,
      Que tu não tens coração?
      Bem haja a mão tutelar,
      Que á beira me suspendeu
      Do abismo da perdição!
      Que delirio foi o meu
      Naquelles tão curtos dias
      Que passei ao lado teu?

      Oh! como tu respondias
      Com o silencio eloquente
      Ás palavras que partiam
      Do meu coração ardente!
      E depois, se num momento
      Os labios já não podiam
      Expressar o sentimento,
      O fogo do meu affecto,
      Como o teu olhar inquieto
      A minh'alma interrogava
      E todo paixão jurava,
      Que era meu o teu amor!

      Oh! que dias de ventura!...
      Nos campos, abria a flor;
      Por entre a tenra verdura,
      Inda fraca, inda infantil,
      Se escutava a voz das aves
      Que saudavam abril.
      E tu, como ellas, ditosa,
      Ás suas notas suaves
      Juntavas a voz formosa!
      Ah! como eu vivia então!
      Como de novo sentia
      Rebentar no coração
      Essa infinita alegria
      Que nos desvaira a razão!

      Por quanto tempo durou
      O sonho que me encantava?
      Breve foi, maldicta a mão
      Que d'elle me despertou.
      Quando mais certo julgava
      Que era emfim minha a ventura,
      No momento em que acabava,
      De escutar dos labios teus
      Aquelle estremoso adeus!
      Adeus, que nesse momento
      Com a esperança sorria
      E tanto me promettia!...

      Foi, oh Deus! que de repente,
      Uma palavra maldicta,
      Fez que eu visse claramente,
      Cobrindo minh'alma afflicta
      De espessa nuvem sombria!
      ........................

      Quem dirá vendo a expressão
      Que brilha no teu olhar,
      Que tu não tens coração
      Ou tem-lo para enganar?!

Abril de 1859.
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