QUOTIDIANOS – 7º CAPÍTULO

QUOTIDIANOS – 7º CAPÍTULO

Duas visitas inesperadas de dois Irmãos Escuteiros – António Bento Duarte e António Alçada. É bom recebermos na nossa casa pessoas que se interessam pela nossa saúde, nos proporcionam bem-estar, nos transmitem confiança num amanhã sempre melhor.

A nível de futebol, as milionárias transferências, os últimos instantes do mundial… Entro no Núcleo Desportivo do Fundão onde se exibem dois painéis: “Nós somos de raça que nunca se vergará” e “Queremos um Sporting um grande clube, tão grande como dos maiores da Europa”.

Na Internacional Futebolizada, a equipa do Astérix Francês, nascido 85 anos antes de Cristo, vence à tangente a equipa do Tintim belga. A velhice merece respeito. A Croácia também surpreende a Inglaterra, mas como os ingleses encontram sempre motivos para beber e se exibirem, não adivinho grandes calamidades em terras de Sua Majestade.

O Mundo acompanha uma dúzia de jovens, com o seu treinador, numa épica operação de resgate numa gruta tailandesa. Quem nunca foi resgatado, nem localizado, foi um Escuteiro da Região de Setúbal, versado na arte da espectrologia.

Domingo vejo no ecrã familiar o amigo fundanense Rui Pelejão. Além de escritor e jornalista de muitos cavalos, gosta de conduzir grandes “bombas” pelos caminhos rurais.

Por problemas de saúde, travo ocasional conhecimento com Andreia Augusto, uma Técnica de Serviço Social com “mestrado na Casa de Saúde Rainha Santa Isabel em Condeixa e no Lar de Vales do Rio (Covilhã)”. No seu local de trabalho, a conversa prolonga-se por quase duas horas, que passam como dois minutos. Ainda há profissionais que têm tempo para ouvir quem precisa de desabafar. Através do seu telemóvel, mostra-me trabalhos que nas horas vagas realiza em azulejaria, vocacionada para a toponímia. Lembro-me do Zé Freire, um artista ímpar na arte de bem trabalhar o azulejo, pessoa que ela desconhece. São tantos os artistas portugueses com raízes no Fundão, que alguém me diz que esta é a terra que tem mais artistas por metro quadrado: escritores, poetas, pintores, inventores, fotógrafos, cineastas, actores, encenadores, músicos, bailarinos, mestres artesãos, etc.. É pena por vezes serem tão esquecidos… ou forçados a emigrar. Não tenho dúvidas que se todos pudessem exercer a sua actividade profissional no Fundão, esta seria das terras mais criativas do país.

Num almoço covilhanense, debaixo das folhas de parreira, com os trovões no maciço central da Serra da Estrela (no Fundão uma chuvada torrencial) e na companhia de dois irmãos escuteiros, um ex-autarca de Vale Formoso, falamos da preparação mental do treinador e das crianças isoladas na gruta tailandesa. Quase sempre com um sorriso cooperante nos lábios, apesar da situação dramática, deram uma lição ao mundo dito “civilizado”, em particular a uma Europa mergulhada na depressão, no consumismo e no egoísmo de Estado. Segundo Adenauer, “todo o partido político existe para o Povo, e não para si mesmo.”

O ex-autarca afirma que uma das maiores aberrações políticas foi a invenção da União de Freguesias, que só trouxe mais rivalidades e mais despesa. Todos concordamos.

Pesquiso notícias culturais no “Jornal do Fundão” de 1999 e encontro um excerto do escritor Manuel da Silva Ramos do seu livro “Portugal, e o Futuro?”. Nesta obra satírica e corrosiva, escreveu: “os supermercados tornaram-se um refúgio ideal para os mendigos, o Alentejo a planície nacional dos cemitérios, o Norte, a última barricada do vinho que ajuda a morrer.”

O mesmo jornal lança numa página: “VÁ AO CINEMA” e aponta o Fundão, no Cidade Nova; a Covilhã, no Cine Teatro; Castelo Branco, no Cine S. Tiago; Gouveia, no Cine Teatro; Idanha-a -Nova, no Centro Cultural Arraiano; Nisa, no Cine Teatro; Celorico da Beira, no Centro Cultural. No Cine Teatro da Covilhã decorria a 8ª Semana do Cinema Europeu, com extensões a Belmonte, Castelo Branco, Fundão, Idanha-a-Nova e Penamacor. Passados 20 anos, quantas destas salas ou espaços culturais ainda terão programação?

Curioso, também, que já nesse tempo se discutia a FACIF, uns a favor, outros contra, outros a pensar em inovações.

Leio a notícia do falecimento do Dr. Armindo Ramos, o primeiro Presidente da Câmara de Castelo Branco pós-25 de Abril, que abriu as portas do trabalho a muitos reclusos em regime de confiança, mais tarde regime aberto. Em liberdade, dois ou três ficaram a pertencer ao quadro de funcionários camarários albicastrenses, e posso assegurar que trabalhavam mais e melhor do que muitos cheios de vícios antigos, que procuraram “minar” os chefes para os despedirem, alegando que eram menos cidadãos por terem sido reclusos. Não conseguiram…

Em Janeiro de 1996, no “Jornal do Fundão”, Baptista Bastos afirma “que após o 25 de Abril, nenhum governo teve um projecto político cultural”, diz que 62% dos portugueses nunca leram um livro, que 80% não sabem analisar um texto e que existem 20% de analfabetos. Gosto desta frontalidade política com números, desconfio sempre de escritores e jornalistas que se dizem despolitizados… Em 2018 estes números ainda serão uma realidade?   

Abílio Curto, Presidente da Câmara da Guarda, afirma em conferência de imprensa, que está “inocente das calúnias que inventaram”. Esta nobre convicção não o impediu de cumprir pena no Estabelecimento Prisional da Covilhã, onde tive oportunidade de o visitar. Como várias vezes tenho escrito, é para mim um dever cívico visitar os reclusos e os doentes.

No dia 10 de Fevereiro de 1996, houve um jantar de Homenagem ao Governador Civil de Castelo Branco, no Restaurante “Os Arcos” (Covilhã), no qual participei por uma razão muito simples: para lhe apresentar, entre cumprimentos, algumas preocupações prisionais… Os seus antecessores haviam colocado os Serviços Prisionais como uma Instituição a evitar e não davam explicações pelas muitas faltas de comparência. Justiça seja feita, com o mandato do Dr. José Sampaio Lopes, a atitude mudou, ele esteve sempre disponível e presente para se inteirar dos problemas, postura que nunca mais esqueci.

António Paulouro, fundador do “Jornal do Fundão”, afirmou em breves mas incisivas palavras: “a presença aqui de pessoas de vários quadrantes políticos, é a prova de uma comissão dignamente exercida… contra as velhas querelas desde tempos imemoráveis (transumâncias), que opuseram as duas maiores cidades do distrito. A dignidade, o tacto diplomático e o saudável exercício da Justiça esbateram as reservas iniciais”.

Também naquele ano, em Março, um leitor escreveu uma carta para o “Jornal do Fundão”. Levara o Pai às urgências hospitalares, tendo obtido como resposta: “vá para casa e veja se se aguenta”. Às seis da manhã o Pai faleceu em casa…

Visito o Amigo Paulo Silveira, autarca, o HOMEM dos Três Povos, que me recebeu com muita gentileza. No fim das nossas conversas regionais, falamos da poesia universal de Eugénio de Andrade. Oferta-me dois opúsculos de poemas e o seu livro “40 anos do Poder Local Democrático no Concelho do Fundão”, com fotografia de capa de Diamantino Gonçalves.

A Directora da Dielmar, em Alcains, compara as portagens no interior ao Muro de Berlim, construído pelos nossos governantes.

A Capela de Nossa Senhora de Fátima, no Campo Nacional das Actividades Escutistas (CNAE), em Idanha-a-Nova, é um dos projectos portugueses na “shortlist” dos “Prémios da Word Architecture Festival” de 2018, a realizar na Holanda entre 28 e 30 de Novembro. A capela nasceu de inspirações escutistas: vida ao ar livre, o acampamento, a tenda, a sobriedade e a simplicidade. Os extremos do edifício, de forma pontiaguda, fazem alusão ao lenço escutista, símbolo da promessa e compromisso do movimento.

Morreu a “Rainha Branca” do cinema português com 85 anos. Laura Soveral tem um percurso inesquecível ao lado de alguns dos melhores realizadores portugueses.

Manuel da Siva Ramos escreve no Jornal do Fundão, de 12 de Julho, um bonito texto sobre o jovem Mário Fernandes, “UM CINEASTA MAGNÉTICO A DESCOBRIR.” Sinto uma grande alegria por ver também uma fotografia deste “rapazinho” na Grécia com a câmara de filmar, filmando contra ventos e marés… Mário Fernandes, com raízes na Bismula (Sabugal) e em Aldeia de Joanes (Fundão), nasceu em Castelo Branco, onde fez a Escola Primária. Passou grande parte da sua infância na Quinta dos seus avós em Aldeia de Joanes (onde a sua imaginação já galopava montanhas e nem precisava de cavalos). No Fundão fez o percurso preparatório e secundário, e na Universidade Nova de Lisboa licenciou-se em Direito e obteve o Mestrado em Direitos de Autor.

Leio, e não me surpreende, que as regiões mais pobres do País são o Alto Tâmega e Sousa, Beiras e Serra da Estrela e a Península de Setúbal. São números de um estudo da PDSP (Plataforma para o Desenvolvimento da Península de Setúbal). Apesar de nos dizerem que “virámos a página da austeridade”, dois milhões de portugueses continuam a viver no limiar da pobreza.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Julho/2018

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