QUOTIDIANOS – 8º CAPÍTULO
QUOTIDIANOS – 8º CAPÍTULO
A Obra “Os Maias” de Eça de Queirós vai deixar de ser leitura obrigatória no secundário. Possivelmente devem estar a pensar banir também Camões, Fernando Pessoa, Padre António Vieira, Gil Vicente, Bocage, Saramago… O silêncio é a alma do negócio e para promover os amigos no plano nacional de leitura não há como apagar o passado.
Num texto de opinião, leio que “é preciso reformar a justiça de alto a baixo”: só será possível quando acabar o exagero de recursos, parece que nunca ninguém é condenado e sempre se adia a decisão até à inocência final, muitos anos volvidos, com direito a chorudos empregos ou reformas de luxo, indemnizações, louvores e condecorações. Falta-nos um Salomão… Quando o Parlamento Português deixar de parir leis a torto e a direito, em vez de procurar que se cumpram as que já existem.
O Estado, através dos nossos impostos, paga mais a ex-gestores do famigerado BPN do que ao Presidente da República, que exerce o maior cargo da governação do país.
Numa conversa de refeitório, um companheiro conta-me que um lápis pobre e um lápis rico foram passear para a Avenida da Liberdade e encontraram a lapiseira grávida. O autor da proeza foi o lápis pobre, porque o lápis rico tinha uma borracha na ponta.
Na mesma mesa, ao lado da “Rainha de Inglaterra”, um companheiro enverga um casaco azul para uso de Inverno e Verão, com um grande letreiro em holandês “VERKERK”, em português trabalhador. Enganado, pagou para seguir viagem para Holanda, ficaram-lhe a dever dinheiro… e aqui está, bem-disposto.
Há um prémio de quarenta e dois mil euros para descobrir como acabar com as falsas notícias.
Os portugueses procuram cada vez mais hotéis para animais de estimação e cada vez se esquecem mais dos lares, dos alojamentos para pessoas com limitações físicas ou psicológicas e dos cuidados de saúde paliativos dos cidadãos.
Uma boa notícia: os reclusos portugueses vão ter consultas de HIV e Hepatites dentro das prisões. Já não necessitam de andar a viajar pelo país.
Há quem afirme que Manuel Pinho “foi ao Parlamento gozar connosco.” E nós, que resposta devemos dar? Não acreditar na democracia e no regime parlamentar? José Saramago escreveu que “o dinheiro corrompe e o que chega de repente muito mais.”
Quando era criança, pré-adolescente, o meu pai preparava as tapadas para semear o centeio, a cevada e ensinava-me a espalhar a semente e o adubo nitrato do chile, num saco com um peso adequado à minha idade. Dizia-me: “não deites adubo, nem semente em lajes, em pedras, é tempo perdido”. E eu assim fazia, para o meu Pai, com o arado, puxado por uma junta de vacas, lavrar a terra e enterrar a semente. Ao meio-dia, ao toque das Avé-Marias, chegava a minha Mãe, com uma cesta da merenda, pão, queijo, chouriça, umas omeletes… Vinho só autorizado a partir dos 18 anos. Quando chegavam as primeiras chuvas outonais, começavam a despertar, a erguer-se da terra lavrada, as plantinhas finas do centeio. Havia rondas pela seara a crescer, no Marinhol, na Tapada Ribeira, no Vale da Areia, nas pequenas casotas de pedras, esconderijo de coelhos, às vezes uma lebre distraída ao sol que era apanhada para melhorar o nosso rancho lá em casa.
Como eram bonitas as searas da minha aldeia, verdejantes na Primavera, douradas e ondulantes como mouras encantadas no Verão.
O meu Pai agradecia o trabalho dos seus filhos, e dizia-me que o centeio que se iria transformar em farinha amassada, e em pão ao entrar no forno, deveria ser sempre fruto do nosso trabalho. Abençoado “trabalho infantil”, que nos preparou para a Vida.
Diz-me um companheiro de refeitório, um abrantino, que “quando o vento sopra forte de oeste para este as Gaivotas chegam a Abrantes”. Também diz que “a rosa dos ventos sopra movimentos de corrupção e de vigaristas”.
Uma pré-adolescente, na festinha de encerramento da Catequese nos arrabaldes do Fundão, perguntou se havia pão. A Catequista perguntou-lhe que pão queria.
- Uma pizza.
- Muito bem, no fim da Eucaristia vais comer comigo uma pizza.
A menina entrou pela primeira vez numa pizzaria. Segundo Goethe, “só é possível uma criança amar, amando-a”.
No Fundão, a Irmã das Servas de Jesus faz das tripas coração para manter uma instituição de apoio a meninas desprotegidas. Ela é MÃE de muitas crianças. Se alguém me ler, pode ter um gesto de solidariedade, há tantas formas de ajudar…
Quem diria que passados mais de cinquenta anos de pertencer ao Coral Luiza Tody de Setúbal, voltaria em Condeixa a cantar sob a mestria da Irmã Maria da Glória? É uma voz angélica, celestial, gregoriana, sabe transmitir espiritualidade e pratica uma pedagogia musical invulgar. Só no Soito (Sabugal) poderia nascer aquela voz, nas povoações do Ribacôa que deram ao País tanta gente anónima, mas de grande valor no campo das artes, das letras, das ciências…
Medito no interessante texto de Frei Bento Domingues, no jornal “Público”, do dia 15 de julho. Dá-nos o exemplo de um Bispo do Brasil que colocou os espaços episcopais ao serviço dos mais pobres: ali comiam e dormiam sempre que necessário.
A minha Prima Olinda Martinho acaba de me emprestar um Livro de Memórias do Concelho do Sabugal. Só agora, neste sossego obrigatório, vim a saber que o Carvalhal do Côa pertenceu à freguesia da Bismula até 1835.
Gente rija, que em 1779 não cumpriu as ordens do Bispo de Pinhel, Cristovam de Almeida Soares, que exigia ao povo do Carvalhal obras e material impossível de adquirir para a Capela.
Um capitão do 25 de Abril, num artigo de jornal, atira-se como “como gato a bofe”, ao soldado português Marcelino da Mata, que conheci no BENG 447 – Brá, na Guiné – Bissau. Eu só lhe pergunto se tem ideia de quantos soldados ele salvou. Haja memória antes de vinganças pessoais e respeitemos as pessoas que sofreram na guerra.
António Alves Fernandes
Aldeia de Joanes
Julho/2018