A rã, o galeirão e o pescador
Estava sentado numa bateira no meio da lagoa do Poço da Cal. Pescava ao fundo e tinha duas canas armadas por baixo das tábuas do banco da bateira, estava ali desde as seis horas da manhã. Os peixes alimentam-se ao nascer do dia… Estava só, nunca levo rádio, nem faço barulho enquanto pesco, gosto de pescar sozinho.
Nesse dia, nada! Era dia não! Os peixes não pegavam o isco, talvez tivessem comido durante a noite, estávamos na fase de lua cheia quando a sua totalidade é refletida na Terra. Sempre pensei que estes dias fossem maus para a pesca, estou convencido que em noites claras os peixes conseguem ver e comer, assim, nesse dia de manhã os peixes não tinham fome e não pegavam em nada. Devem ter feito um festim noturno com o engodo que lancei no dia anterior.
Estava a pescar com broa, feijão-frade cozido, lagostins do rio, milho com groselha e mesmo assim, nada! Não picou uma única vez! Nem carpas, nem pimpões, nem enguias, nem barbos, nada!
O Sol já ia alto, eram dez horas, estávamos no mês de agosto e não fazia vento, estava um dia quente. A lagoa era um espelho de água com nenúfares, pensei ficar mais um pouco, coloquei a sacola de pesca debaixo da cabeça, passei as pernas por baixo das tábuas da bateira e deitei-me ao comprido. Sentia os cheiros inconfundíveis da pequena lagoa, estava abrigado do Sol, avistava alguns milhafres e garças boieiras que voavam por cima da lagoa. Com o passar do tempo as rãs começaram a coaxar, as galinhas de água a cacarejar, a voz mais forte dos galeirões entoava em toda a lagoa, estava pasmado com tamanha sinfonia! Se levantasse a cabeça tudo parecia ter sido um sonho, no entanto, se me voltasse a deitar, todos os cantores voltavam a afinar a maravilhosa voz.
Que belo dia de pesca, sem pescar um único peixe! Que bela sinfonia, que espetáculo incrível, pensei… Estou dentro de um documentário do Félix Rodrigues de La Fuente. Adormeci embalado pelos cheiros, pelos sons e pelo leve oscilar da bateira.
Acordei com o sol a pique, era meio-dia, estava mesmo um calor intenso, podia ver a Ponte do Poço da Cal, uma pequena ponte romana; por baixo dela existem sete metros de água até chegar ao fundo da lagoa, é um bom sítio para mergulhar. Prendi a bateira num salgueiro e caminhei até alcançar essa incrível ponte; no meio do seu vão em arco, por cima da amurada de pedra era o local mais alto para mergulhar. Foi então que mergulhei e nadei até ficar cansado, a água estava quente. Voltei à bateira, comi o farnel e voltei a deitar-me. Estava deitado na margem, num pequeno relvado natural, voltei a fechar os olhos e passado algum tempo ouvi uma rã e um galeirão; com eles fiquei até ao fim da tarde, perderam o medo, estavam perto e já não ligavam à minha presença. Estávamos ali, eu a rã e o galeirão.
(21/12/2014)