RECORDAÇÕES
Autor: Bulhão Pato on Saturday, 26 January 2013
Como foi, e ha quanto tempo
Que esse tão feliz momento,
Da minha vida acabou?!
Não sei, que importa? Era um dia
Que o sol vivido inundava
A luxuriante campina.
Intensa, glacial frieza
O coração me gelava,
Quando subito sentira
Um raio de luz divina
Que minh'alma illuminou.
Deslumbrado em vão buscava
Ver donde essa luz partia,
A mente me delirava
Co'a ventura que sentia!
Oh! depois vi claramente,
Que de teu rosto innocente
Partira o raio de luz,
Tão suave e tão sereno,
Como esse que nas pupillas,
Azuladas e tranquillas
Do anjo da nossa infancia
Melancolico reluz!
Parámos naquella estancia,
Dize, lembras-te, Luiza,
Como vinha fresca a brisa,
E que suave fragrancia
Rescendia a viração?
Tu firmavas-te ao meu braço,
E eu mal respirar podia
Que não sei quê me opprimia,
Mas com que doce oppressão!
Parava, não de cançaço,
Por que o peito mais valente,
De mais vigor não se anima,
Nem com mais força se sente
Do que eu me sentia então!
Foi fatal aquelle instante,
Para ti fatal, embora,
Tu viveste numa hora,
Inteira toda uma vida
Do mais delirante amor;
Porque a tua alma, querida,
Quando deveras se inflamma,
Devora co'a sua chamma
O prazer até á dor!
Duas lagrimas brilhantes
De teus olhos deslisaram,
Quando nos meus se cravaram
Formosos e scintillantes.
A expressão que eu nelles via,
Devêra ser semelhante
Á que o justo vê no dia
Do seu supremo juizo,
Nos do anjo fulgurante
Que lhe aponta o paraizo!
Como foi que tal encanto
A fatal mão do destino
Para sempre nos quebrou!?
Da noite o sombrio manto,
O teu semblante divino
A meus olhos occultou!
Oh! não foi nesse momento,
Porque inda no firmamento
O lampejo d'uma estrella,
As tuas pallidas faces
De um reflexo illuminou,
E inda um beijo, longo, ardente
Na tua boca innocente
A minha boca estampou!
Oh! não foi!! Depois ainda,
Na mesma noite encantada,
Te vi fulgurante e linda,
De brancas roupas trajada,
No turbilhão delirante
Do baile veloz passar;
Inda ali tanta esperança,
Tanto amor, tanta ventura,
Veiu minh'alma inundar
Inda ouvindo aquella valsa
De enthusiasmo estremecemos,
E desvairados corremos
Ao som da doida cadencia.
Oh! que fogo nesse instante
Nos inflammava a existencia!!
Eu cingia-te anhelante
Entre meus convulsos braços,
E com teus ligeiros passos
Tu mal tocavas o chão!
Aquella doce harmonia
De instante a instante augmentava.
Oh! como então nos battia
Agitado o coração!
Augmentava, e de repente,
Como cortada torrente,
A melodia parou;
E nos meus braços, querida,
Extenuada, abatida,
Por momentos te deixou.
A aurora vinha rompendo
Quando teus olhos aos meus,
Proferiam eloquentes
Aquelle saudoso adeus.
Ao longe o vasto Oceano,
Da brisa fresca agitado,
Ante nós bramia ufano.
Tu, volveste horrorisado
O rosto co'a vista d'elle!...
É que em breve a todo o pano,
O meu baixel correria
Sobre aquellas ondas torvas,
E de ti me apartaria!
Janeiro de 1851.Género: