RECORDAÇÕES

 

      Como foi, e ha quanto tempo
      Que esse tão feliz momento,
      Da minha vida acabou?!
      Não sei, que importa? Era um dia
      Que o sol vivido inundava
      A luxuriante campina.
      Intensa, glacial frieza
      O coração me gelava,
      Quando subito sentira
      Um raio de luz divina
      Que minh'alma illuminou.
      Deslumbrado em vão buscava
      Ver donde essa luz partia,
      A mente me delirava
      Co'a ventura que sentia!

      Oh! depois vi claramente,
      Que de teu rosto innocente
      Partira o raio de luz,
      Tão suave e tão sereno,
      Como esse que nas pupillas,
      Azuladas e tranquillas
      Do anjo da nossa infancia
      Melancolico reluz!

      Parámos naquella estancia,
      Dize, lembras-te, Luiza,
      Como vinha fresca a brisa,
      E que suave fragrancia
      Rescendia a viração?
      Tu firmavas-te ao meu braço,
      E eu mal respirar podia
      Que não sei quê me opprimia,
      Mas com que doce oppressão!

      Parava, não de cançaço,
      Por que o peito mais valente,
      De mais vigor não se anima,
      Nem com mais força se sente
      Do que eu me sentia então!

      Foi fatal aquelle instante,
      Para ti fatal, embora,
      Tu viveste numa hora,
      Inteira toda uma vida
      Do mais delirante amor;
      Porque a tua alma, querida,
      Quando deveras se inflamma,
      Devora co'a sua chamma
      O prazer até á dor!

      Duas lagrimas brilhantes
      De teus olhos deslisaram,
      Quando nos meus se cravaram
      Formosos e scintillantes.
      A expressão que eu nelles via,
      Devêra ser semelhante
      Á que o justo vê no dia
      Do seu supremo juizo,
      Nos do anjo fulgurante
      Que lhe aponta o paraizo!

      Como foi que tal encanto
      A fatal mão do destino
      Para sempre nos quebrou!?
      Da noite o sombrio manto,
      O teu semblante divino
      A meus olhos occultou!

      Oh! não foi nesse momento,
      Porque inda no firmamento
      O lampejo d'uma estrella,
      As tuas pallidas faces
      De um reflexo illuminou,
      E inda um beijo, longo, ardente
      Na tua boca innocente
      A minha boca estampou!

      Oh! não foi!! Depois ainda,
      Na mesma noite encantada,
      Te vi fulgurante e linda,
      De brancas roupas trajada,
      No turbilhão delirante
      Do baile veloz passar;
      Inda ali tanta esperança,
      Tanto amor, tanta ventura,
      Veiu minh'alma inundar
      Inda ouvindo aquella valsa
      De enthusiasmo estremecemos,
      E desvairados corremos
      Ao som da doida cadencia.
      Oh! que fogo nesse instante
      Nos inflammava a existencia!!
      Eu cingia-te anhelante
      Entre meus convulsos braços,
      E com teus ligeiros passos
      Tu mal tocavas o chão!
      Aquella doce harmonia
      De instante a instante augmentava.
      Oh! como então nos battia
      Agitado o coração!
      Augmentava, e de repente,
      Como cortada torrente,
      A melodia parou;
      E nos meus braços, querida,
      Extenuada, abatida,
      Por momentos te deixou.

      A aurora vinha rompendo
      Quando teus olhos aos meus,
      Proferiam eloquentes
      Aquelle saudoso adeus.
      Ao longe o vasto Oceano,
      Da brisa fresca agitado,
      Ante nós bramia ufano.
      Tu, volveste horrorisado
      O rosto co'a vista d'elle!...
      É que em breve a todo o pano,
      O meu baixel correria
      Sobre aquellas ondas torvas,
      E de ti me apartaria!

Janeiro de 1851.
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