Sarar
A João Bosco da Silva
Há quem escreva para abrir feridas
as feridas que todos temos, que fazemos muitas vezes sem notar
Como se se olhassem ao espelho e contassem as nódoas negras e os arranhões ao fim de um dia de trabalho
Da nódoa negra e das feridas fazem poesia
que é sempre sentida mais bela quando dramática e pesada de dor
Sangram para a fazer nascer
Eu escrevo para me sarar
Para limpar as feridas
desinchar os hematomas que me impedem de ver um edifício bonito porque cheio de histórias de gente que tentou sarar
É nessa gente que quero pousar o meu olhar e é essa memória de mim que queo deixar como herança
Porque se todos somos o "eu" de momentos
quartos vazios sem voz, cheios de ecos que vivem no espaço que não ocupam
solitários
que eu possa ser um eco lírico
romântico
sonhador
cantante
que preencha os quartos com música agradável, aliviando um pouco a solidão das suas paredes nuas
conferindo-lhes alguma cor, por muito suave e singela que seja
Por isso escrevo para limpar feridas, para as sarar
Porque a saúde há-de pegar, como se pega a peste
e um sorriso há-de puxar outro, como o faz a ira
Se sou um depósito de memórias, de saudade e de passado
que seja um depósito bem recheado
caoticamente colorido e pintado
à mão de quem queira nele mergulhar
Que transborde pelas costuras
e que a dor provocada seja de saudade sofrida, mas não moribunda
Vida e não morte
Esperança e não fatalismo
Magna Barradas
Porto