SE CORAS NÃO CONTO.
Autor: Bulhão Pato on Thursday, 7 February 2013
Tu queres que eu conte um sonho que tive Não sei se acordado, não sei se a dormir? Foi todo singelo, foi todo innocente: Tu córas, sorriste, tens medo d'ouvir? Não córes, escuta, não fujas de mim, Que o sonho foi sonho de casta paixão: Já crês, não duvídas, verás como é lindo O sonho innocente do meu coração: Eu via em teus labios um meigo sorriso, Em tens olhos negros um terno mirar, Teu seio de neve a arfar docemente, Sentia nas faces o teu respirar. E tu não fallavas, mas eu entendia; E tu não fallavas, mas eu bem ouvi! Amor! na minh'alma a voz me dizia, E um beijo na fronte não sei se o senti. Já vês que o meu sonho foi sonho innocente; O resto eu te conto; como has de gostar! É todo singelo, de amores somente; Verás que ao ouvil-o não has de córar. Depois apertando teu corpo flexivel, Cingindo teu collo no braço a tremer, Ouvi uma falla, e o que ella dizia Agora acordado não posso eu dizer. Não posso contar-te, só pude sentil-a; Não posso contar-t'a senão a sonhar: No sonho innocente, no sonho d'amores, Do qual, duvidosa, julgavas córar. Não posso contar-t'a, nem sei se acordado O que ella dizia se póde entender; Eu sei que sonhando, pensei que era sonho, E agora acordado a não posso esquecer. Mas tu porque escondes a face córada? Não tem nada o sonho que faça córar, É todo singelo, é todo innocente; Que importa um abraço, se é dado a sonhar? Mas tu não te escondas, que eu fico em silencio; Não quero offender-te a casta isenção; Não torno a contar-te depois de acordado O sonho innocente do meu coração. Janeiro de 1847.
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