*A SESTA DO SENHOR GLORIA*

É no fim do jantar. Deram tres horas
No bom relogio antigo dos avós,
E o senhor Gloria pega n'uma noz
Com um ar de quem trata com senhoras.

A casa de jantar toda pintada
E o estuque cheio d'aves, de paysagens,
De nymphas, prados, d'aguas, de boscagens,
Tem uma forma antiga e recatada.

D'involta com seus goles de Madeira
A senhora digere o seu café;
E ao lado, um filho rubido de pé
Parece um pregador sobre a cadeira.

No collo da matrona dorme um gato
No melhor somno commodo do mundo,
Em quanto em baixo um cão grave e profundo,
Contempla uns restos que inda estão n'um prato.

O senhor Gloria falla, chocarreiro,
Do seu cunhado Aleixo de Miranda;
Lá fóra, um papagaio n'um poleiro
Diz cousas aos burguezes, da varanda.

Com um ar meio comico e boçal
Um sisudo creado atraz, de pé,
De vez em quando falla menos mal;
--O senhor Gloria aspira o seu café

Muito tempo assim ficam n'esse estado
De santa somnolencia e beatitude,
Mais que assás conhecido da Virtude
Quando tem digerido e bem jantado.

No entanto o senhor Gloria, olhos dormentes,
Contempla na parede os bons pastores,
Confidentes fieis dos seus amores,
--Que outrora hão já sorrido aos seus parentes

Duas pastoras fallam com poesia
N'uma vereda d'alamos annosos,--
E isto accorda-lhe os tempos virtuosos
Que a hora do jantar era ao meio dia!

Bellos tempos--pensa elle--de virtude!
De gloria, amor, coragem, fé ardente,
De longas procissões, e de saude,
De singelesa e paz--vida contente!

E o senhor Gloria aqui, n'um travesseiro
Deita a cabeça, de pensar prostrado;
--O papagaio ri no seu poleiro,
--E a senhora sorri para o criado.

Género: